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Quem não acha minimamente estranho um “presidente autoproclamado” provavelmente não  se encontra com plena faculdade de julgar. Por outro lado, chamar de democracia plena o regime autoritário promovido por Nicolás Maduro também é extrapolar os limites da realidade. Entre o bem e o mal a discussão é muito mais profunda do que pode supor quem tente responder a ambos com uma única frase. A antítese de um não necessariamente é a tese de outro.

 

À esquerda e à direita ouvem-se berros em defesa ou em protesto por um ou por outro. Muitas vezes sem sequer desenvolver qualquer esforço para compreender as idiossincrasias do caso venezuelano e aplicando sua duvidosa lógica ao cenário político brasileiro. Durante a campanha eleitoral de 2018 um dos slogans mais repetidos era o de “impedir que o Brasil se torne uma Venezuela”. Com o agravamento da crise no país vizinho, setores da esquerda brasileira passaram a louvar o regime de Maduro como justo e honrado. O que se pretende discutir nas linhas que seguem é 1) a diferença fundamental entre Brasil e Venezuela, 2) a tão comentada relação entre entre ditadura e ajuda humanitária e 3) o significado de um presidente autoproclamado.

 

Um dos discursos mais reproduzidos durante o período eleitoral de 2018 era de que caso algum partido localizado à esquerda do espectro político fosse eleito, o Brasil caminharia para se tornar uma nova Venezuela – em clara alusão à crise migratória de venezuelanos para os países vizinhos por conta das precárias situações de vida nas grandes cidades do país.

 

Entretanto, os reprodutores desse discurso não levam em consideração diferenças básicas entre os dois países. Não é a intenção neste artigo produzir uma genealogia sobre a América do Sul, portanto aqui apenas citarei os principais pontos para aprofundamento em outro momento. Enquanto a Venezuela tem como principal motor de sua economia o petróleo, o Brasil conta com um leque de possibilidades no campo econômico, seja no pujante agronegócio, no campo da inovação e tecnologia ou no setor industrial. Vale recordar, também, que o petróleo é uma fonte energética – para a qual o Brasil desenha saídas com o etanol, energias eólica, solar e nuclear – na qual nosso país vizinho permanece amarrado.

 

Os problemas diplomáticos envolvendo a Venezuela prejudicam a exportação do produto do qual é refém. O líquido viscoso que atrai tantas atenções custa caro para ser extraído e preparado para o consumo, o que é justificado pela dependência que o mundo contemporâneo tem por ele. A Venezuela é riquíssima em petróleo, o que desperta o interesse de seus nacionalistas, de outros países e multinacionais. E isso nos leva ao segundo ponto.

 

“Não existe almoço grátis” alertava certo candidato durante a campanha eleitoral do ano passado. E já é sabido que nem tudo o que reluz sob o sol é ouro. Procurar mocinhos na história é como procurar uma agulha em um palheiro do tamanho do Maracanã. Maquiavel já nos ensinara que na política o que vige é uma trama pelo poder e a manutenção/perpetuação desse poder depende em grande medida de ações estratégicas em um jogo de dominação. O que leva um país rico como os Estados Unidos a se interessarem tanto em levar uma suposta ajuda humanitária à Venezuela e fazer um mínimo esforço com relação ao Haiti, que passou por uma catástrofe ambiental há pouco tempo e até hoje pena para estabelecer a ordem? Seria difícil explicar se não fosse por um ponto: o petróleo.

 

Afeganistão, Iraque, Síria. Esses são alguns dos países estratégicos no tocante ao petróleo no Oriente Médio. Todos em algum momento invadidos por potências ocidentais. O cerne da questão não está em o país ser ou não governado por uma ditadura ou produzir armas de destruição em massa, mas sim que ideologia de “salvadores” vendida pelos estadunidenses é a cortina que encobre seus escusos interesses econômicos.

 

Nicolás Maduro era o pretexto que faltava ao país norte-americano para aportar em terras venezuelanas. Isso não chegou a acontecer com Chávez, por exemplo, que se caracterizava como um presidente populista, autoritário, nacionalista, mas não como um ditador propriamente dito. Maduro tenta a manutenção de um poder que hoje se sustenta apenas por meio da força.

 

É impossível definir uma ditadura sem um ponto comparativo. Tomemos, portanto, a democracia. Uma democracia não se faz apenas de escolher representantes para votar leis e baixar decretos em nome de uma linha ideológica compatível com a do eleitor. Vai muito além disso. Pode ocorrer de forma direta, onde os habitantes, diga-se cidadãos, deliberam sobre os movimentos públicos diretamente e, acima de tudo, gozam do direito de expressar suas opiniões e atos livres de censura, de repressão. Isto não significa o “pode tudo” que alguns lacaios proferem para tentar deslegitimar a democracia frente a um governo autoritário. Em todo ambiente de convívio, de compartilhamento do espaço público ou privado, estabelecem-se regras em um acordo mútuo de convivência entre os concidadãos. Isso significa que essas regras sequer precisam estar escritas em um código: basta o discernimento de que somos seres gregários para notar que é imprescindível manter o respeito à condição de existência do próximo. É por isto que se estabelecem aparelhos de controle para que se assegure a coexistência pacífica. Mudar regras de convívio acontece lentamente por meio de instrumentos de convencimento racional, jamais pela via da força.

 

A partir do momento em que esses instrumentos de controle passam a ter uso direcionado não para manter a organização aceita pela sociedade, mas para fazer valer a vontade e os valores de alguns setores sobre o julgamento de outros, então inicia-se um processo de lesão à democracia. Essa lesão se agrava na medida em que as liberdades individuais e de grupos vão sendo cerceadas cada vez mais, seja pela censura oficial, repressiva, ou pela censura ideológica, que joga não com o convencimento do afetado, mas sobre alguns estratos da sociedade que doravante exercerão fiscalização própria sobre tudo o que julgam como subversão a seus valores e verdades de fé. Eis que o último estágio de todo esse labirinto é a impossibilidade de eleger um representante político.

 

Ser contra a intervenção estadunidense na Venezuela não significa ser um correligionário de Maduro ou vice-versa. É possível ser os dois. Maduro atenta de várias maneiras contra a cidadania de seu povo e uma intervenção somente seria justificável se o entendimento das Nações Unidas for de que Maduro não tem legitimidade para se encontrar na presidência do país por ser um ditador e, portanto, deve ser destituído sob a tutela do organismo internacional e julgado ao passo em que se realizam novas e livres eleições. O conflito de interesses entre EUA e Rússia sobre a região não passa de uma continuação da Guerra Fria – que nunca teve fim, apenas trégua.

 

A soberania nacional é o que garante que um país não sirva de coió para outro qualquer. Isso somente se garante com o resguardo de suas fronteiras, com a barragem à interferência política ou militar externa.

 

Enquanto a crise se desenrola, Guaidó, líder da oposição, autoproclama-se Presidente Interino do país. É preciso uma pesada viagem etílica para apoiar uma atitude como essa. Ser contrário a um presidente não permite que alguém se autoproclame, José Abreu deveria saber disso. A aceitação internacional abre um precedente ainda maior contra a soberania nacional do país em questão. A política não segue a lógica do futebol, de nada adianta torcer para dar certo, urge inteligência e estratégia.

 

Enquanto a ONU se faz de paisagem frente aos interesses de seu maior financiador, os EUA, uma nação sofre com um tormento que parece estar longe do fim.

 

Alexandre Douvan. Acadêmico de Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e membro do grupo de estudos em Ciências Humanas – Mentes Inquietas.

Equipe Gazeta
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