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Quíron: do Centauro Ferido ao Curador Ferido

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Qual a relação de Quíron, “o Centauro[1]”, com um terapeuta clínico e como o mito de Quíron pode nos ajudar a também sermos um “Curador Ferido”? Para compreendermos a importância dessas duas perguntas é necessário conhecermos primeiramente a história de Quíron.

 

 

Segundo Oliveira (2007), Quiron é o Centauro que possuía vários conhecimentos, dentre os quais, o da medicina. Em um determinado momento, ele é atingido acidentalmente por uma flecha envenenada lançada por Héracles, seu discípulo, e adquire uma ferida incurável. O imortal Quíron procura desesperadamente preparar algum remédio que cure sua chaga, porém, quanto mais busca uma fórmula para si, mais ele encontra soluções para as enfermidades de outras pessoas. Daí ele ser chamado de “Curador Ferido”; ele torna-se capaz de se estabilizar com a dor dos demais, tornando-se um sábio curador.

 

 

A relação existente entre Quíron e os Centauros, de acordo com Oliveira (2007), é descrita por diferentes fontes, porém, a versão mais comum, conta que Quíron é filho de Cronos (Saturno) e da ninfa Filira, filha de Oceano e Têtis. Cronos encontra pela primeira vez Filira na Tessália enquanto estava à procura de seu filho Zeus, escondido pela sua esposa Réia para que não o devorasse como fazia com todos os filhos quando nasciam.

 

 

Filira se transmuta em égua para tentar escapar de Cronos, e, ele por sua vez, a engana transformando-se em cavalo, e assim, consegue unir-se a ela. Dessa união nasce Quíron. Sua mãe, Filira, ao vê-lo, fica tão perturbada que pede aos deuses para ser transformada em qualquer outro ser. Eles atendem seu pedido transformando-a em tília (OLIVEIRA, 2007).

 

 

Assim, Quíron é abandonado, e mais tarde encontrado por Apolo, que se torna seu pai adotivo transmitindo-lhe muitos ensinamentos. Pois, Apolo, além de ser o deus da música, da profecia, da poesia e da medicina, era um modelo de beleza, sabedoria e justiça (OLIVEIRA, 2007).

 

 

Desde o seu nascimento, Quíron já possuía marcas importantes de abandono materno e o desconhecimento da identidade de seu verdadeiro genitor (Cronos). (Reinhart, 1995 apud Oliveira, 2007).

 

 

Outra versão do mito, conforme aponta Oliveira (2007), diz que Quíron adquire sabedoria no momento em que Atena encosta as mãos em sua testa. Ela é uma figura feminina poderosa e representa a sabedoria.

 

 

De qualquer maneira, Quíron através da educação recebida por Apolo, transforma-se em sábio, profeta, médico, professor e músico. Também se tornou mentor de números heróis da Grécia, ensinando-os a arte da liderança, da guerra, da medicina, da ética, música, ritos religiosos e princípios das ciências naturais. Quríron é considerado também o primeiro a fazer uso medicinal de plantas. Ele está associado ao princípio da cura hemopática, em que “o semelhante cura o semelhante” (OLIVEIRA, 2007).

 

 

Esse princípio também pode ser visto na terapia: ’Nós nos “curamos” à medida que nos confrontamos com nossas feridas’. Isso acontece a partir do trabalho terapêutico onde elaboramos os conflitos e traumas usando nossas dores para encontrar também o alívio (OLIVEIRA, 2007).

 

 

Na versão mais conhecida do mito, de acordo com Oliveira (2007), Héracles é convidado pelos Centauros para jantar. Em meio à uma briga, na qual Héracles ataca os Centauros, uma das suas flechas atinge Quíron na coxa, causando-lhe uma ferida incurável que o fará sofrer pelo resto da vida.

 

 

Quíron ao padecer de seu machucado, não podia morrer por ser imortal, e tampouco podia se curar. De forma irônica, a sua capacidade de ajudar os outros aumentava à medida que intensificada sua busca de alívio para a sua chaga incurável (OLIVEIRA, 2007).

 

 

O Centauro ferido finalmente encontra uma esperança para libertar-se de seu tormento em decorrência de uma troca de destino com Prometeu. Este havia sido acorrentado a um rochedo por Zeus como castigo por tê-lo enganado e por haver roubado o fogo para entregar aos homens. Todos os dias uma ave semelhante a uma águia abicava-lhe o fígado.  Mas, a cada noite, o órgão devorado renascia, fazendo com que Prometeu sofresse uma tortura eterna (OLIVEIRA, 2007).

 

 

Zeus decretara que Prometeu só poderia ser libertado se um imortal concordasse em ficar em seu lugar, renunciando assim a sua imortalidade. Dessa forma, Héracles intercedeu a favor de Quíron e, por fim, Zeus concedeu a troca. “Aquele que feriu Quíron é também aquele que facilitou a cura”. Quíron, como curador, não conseguiu encontrar sozinho um alívio para as suas feridas, foi necessário um outro alguém – Héracles – para ajudá-lo. Quíron tomou o lugar de Prometeu e, após nove dias sendo torturado pelas bicadas da ave, conseguiu morrer e Zeus o imortalizou na forma da constelação de Centauro (OLIVEIRA, 2007).

 

 

O mito de Quíron traz várias facetas de suas peripécias, Oliveira (2007) cita as três na sequência:

  1. O doente procura o sábio: a primeira faceta das peripécias de Quíron é a imagem do sábio que é procurado pelos feridos em busca de alívio para suas dores. Esse é o lugar inicial do terapeuta: quem vem ao seu encontro precisa acreditar que será compreendido e confortado em suas dores. É a partir desse lugar que a palavra do terapeuta tem efeito. Os percalços de Quíron sugerem a perspectiva do crescimento psíquico através das feridas (doenças) e crises, mas também oferecem duas opções ao ser humano: a primeira é reeditar seu sofrimento, tornando-o algo construtivo; a segunda é tomar o atalho da destrutividade e do total aniquilamento na dor. O processo da terapia é, pois, um convite para essa jornada interior onde o terapeuta se “empresta” para que, na medida do possível, o paciente ao menos considere que não lhe resta apenas a segunda opção.
  2. O veneno esconde o antídoto: em sua jornada sem fim em busca da autocura, o sábio Quíron acaba se transformando numa espécie de precursor das primeiras noções da homeopatia, a saber, vai descobrindo a cura de seus pacientes ao isolar no próprio veneno que os atingia, o possível antídoto. O terapeuta pode despertar o curador que existe no cliente quando facilita novas ligações e propicia a este as condições para reeditar uma história que inicialmente parecia não ter perspectivas.
  3. Cuidar, sem ser levado pela “ambição terapêutica”: esta é a terceira faceta do drama de Quíron: somente quando o terapeuta se sujeita a pensar as próprias chagas conseguirá lidar melhor com a dor de outrem.

 

Podemos nos utilizar deste mito ancestral para refletir na metáfora-chave da relação terapeuta-cliente. O terapeuta, em sua prática clínica deve ser receptivo ao cliente e estabelecer um vínculo de confiança, na qual o cliente possa-se sentir à vontade para percorrer a sua jornada interior junto ao terapeuta. E, nesta jornada, o terapeuta também precisa ser hábil para conduzir o cliente para que este descubra o antídoto de seu próprio veneno. Somente assim, teremos então a oportunidade de transmutar o nosso sofrimento em potenciais recursos criativos.

 

 

Ainda sobre a faceta das peripécias de Quíron, podemos destacar a relação de contato que, para a Gestalt Terapia, “[…] é muito mais que estar atento, que estar consciente de si e do outro. Estar em contato é se tornar cúmplice com e da totalidade do outro […]” (Ribeiro 2007, p. 135). Quíron foi ferido por Héracles e, pelo contato com o mesmo, também obteve alívio do seu sofrimento. Não apenas o cliente se beneficia da terapia, mas também o terapeuta que é afetado e afeta o seu cliente. No campo da afetação, propiciado pelo contato, temos a possibilidade de transmutar nossas dores em nossos recursos assim como Quíron o Centauro Ferido que se transmuta no Curador Ferido.

 

 

 

Referências:

OLIVEIRA, Raquel Furgeri. Nas Pegadas de Quíron, o Curador Ferido: manejo de teoria e técnica no campo transferencial à luz da Teoria de Campos. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. Pontifica Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2007

Ribeiro, J. P. O ciclo do contato: Temas básicos na abordagem gestáltica. 4ª ed. São Paulo: Summus, 2007.

 

Autora:

Príncela Santana da Cruz – Docente do Curso de Psicologia da UnC – Campus Canoinhas e Psicóloga Clínica. CRP: 08/22273 – 12/18930. E-mail: [email protected]

[1] Criatura mitológica com corpo e pernas de cavalo e torso e braços de homem.

Equipe Gazeta
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