A frase comumente verbalizada, expressando que “as crianças são o futuro da nação” não é banal, e pode ser explicada quando entendemos que os primeiros anos de vida de uma criança são os mais importantes para o seu desenvolvimento integral. Um país é desenvolvido quando se investe efetivamente em políticas públicas que atendam e cuidem das crianças, principalmente as que se encontram na primeira infância, haja vista que, segundo o médico especialista James Fraser (MUSTARD, 2010), “as experiências vividas nos anos iniciais de vida afetam diretamente as fases futuras do ser humano”. Se nessa fase o desenvolvimento for prejudicado, pode afetar negativamente a saúde, tanto física quanto mental das crianças e, ainda, o comportamento e a aprendizagem na vida futura.
Ao mesmo tempo em que é na primeira infância que o cérebro encontra seu maior desenvolvimento psíquico, também é neste período onde ocorre maior vulnerabilidade às influências do ambiente. Por este motivo, é nessa fase da vida que as políticas públicas precisam ser priorizadas e apresentarem maior desempenho no atendimento à essa parcela da população. A defesa e a garantia de um desenvolvimento saudável para as crianças devem ser de responsabilidade da família, do Estado e de toda a sociedade.
Segundo dados da Fundação Abrinq, em 2017 o Brasil tinha 9,4 milhões de crianças e adolescentes com renda domiciliar per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário mínimo, considerada insuficiente para suprir todas as necessidades básicas de uma família. Deste modo, é urgente e necessário cobrar dos entes públicos que as leis existentes sejam cumpridas, principalmente aquelas que regem sobre a Prioridade Absoluta, termo este utilizado na Constituição Federal para se referir à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes, como destacado a seguir:
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Conforme o artigo 2º do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) (BRASIL, 2016), “considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos de vida da criança”. Neste período, a prioridade absoluta implica o dever da Família e do Estado de estabelecer políticas, programas e serviços que atendam às especificidades e à relevância dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
É fato que as crianças que sofrem agressões verbais, violências físicas e até sexuais, que são menosprezadas, negligenciadas com frequência pelos pais ou responsáveis, possuem maior probabilidade de atrasos no seu desenvolvimento psíquico e motor, com reflexos em sua vida adulta. Segundo as autoras Marília Souza Silva Branco e Maria Beatriz Martins, da Universidade de Campinas (2018), alguns eventos merecem maior atenção, tanto por parte dos pais quanto dos órgãos públicos, pois estão diretamente relacionados à primeira infância, incluindo os atendimentos e cuidados com as crianças.
Os serviços que devem ser ofertados para atender às famílias que apresentam algum destes eventos adversos podem ser os vinculados à Política Pública de Saúde e de Assistência Social, de forma integrada e articulada, para prevenir que a criança que esteja inserida neste contexto não tenha seus direitos violados. É necessário que os profissionais que atuam com essas políticas sejam pessoas comprometidas e capacitadas para exercerem esse cuidado com prioridade absoluta, com o objetivo de salvaguardar as crianças, principalmente as que ainda estão na primeira infância, pois são estes cuidados que garantirão um futuro com adultos responsáveis, saudáveis e equilibrados, sob o ponto de vista psicológico. Portanto, cuidar das crianças, portanto, é responsabilidade e obrigatoriedade dos pais, do Estado e da própria sociedade. Afinal, cuidar das crianças deve ser um ato de amor, de responsabilidade e de comprometimento com aqueles que atualmente são pessoas indefesas, mas que no futuro comporão e ajudarão a decidir os destinos da sociedade.
Referências:
BRANCO, Marília Souza Silva; LINHARES, Maria Beatriz Martins. O estresse tóxico e seu impacto no desenvolvimento na perspectiva da Teoria do Ecobiodesenvolvimento de Shonkoff. Estud. psicol., Campinas, v. 35, n. 1, p. 89-98, 2018. ISSN 1982-0275. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-02752018000100009. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-166X2018000100089&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 21 jun. 2022.
BRASIL. Lei 13.257/2016, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm. Acesso em: 23 jun. 2022.
MUSTARD, James Frase. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância. Desenvolvimento cerebral inicial e desenvolvimento humano. 2010. Disponível em: https://www.enciclopedia-crianca.com/importancia-do-desenvolvimento-infantil/segundo-especialistas/desenvolvimento-cerebral-inicial-e. Acesso em: 21 jun. 2022.
VICTORA, Cesar. Evidências científicas sobre a importância da primeira infância: a estratégia dos 1000 dias. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS.
Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Brasília/DF: Cedes, 2016. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia. Acesso em: 21 junho de 2022.
Autores:
Karen Lili Fechner – Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC).
Jairo Marchesan – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC).
Letícia Paludo Vargas – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC).