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Os homens só amam outros homens

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Escrito por:

 

Cintia Neves Godoi, Professora de Geografia.

Sandro Luiz Bazzanella, Professor de Filosofia.

 

Em nossa sociedade, os homens só amam outros homens, e, claro, odeiam tudo que for diferente. E, se outros homens apresentarem um sinal qualquer que não se pareça com aquilo que definiram em seus ideais impossíveis e irreais de masculinidade, eles odiarão estes homens também.

 

 

A violência nasce então e se direciona a todos os viventes, pois nenhum será homem o suficiente, ou terá o padrão necessário, masculino, branco, hétero, e tudo que for feminino, com cor, forma, gênero diferente será “cancelado”, violentado, massacrado.

 

 

Na família, essas pessoas violentadas tentam ser lembradas, consideradas, terem direito às decisões do cotidiano, mínimas que sejam, onde sentar à mesa, o que comer pela manhã, o que vestir, no que trabalhar, o que estudar, se poderão estudar, aliás, será que poderão estudar/trabalhar? Depende, é preciso verificar as circunstâncias.

 

 

No trabalho, é preciso aguardar, verificar o humor do chefe ou do colega para se posicionar. Se conseguir estudar, tornar-se pesquisadora, professora, se conseguir escrever, fique à vontade, ninguém lerá. Algum amigo sempre diz, mais tarde vou ler aquele texto. Nunca comentários atenciosos. Ou então, vamos nos organizar para realizar determinado projeto, claro, vamos sim, mas primeiro preciso ver com outro colega, ele pode não se sentir bem se não participar. Em projetos que articularem, criarem, logo serão descartadas, ideias usurpadas, transformadas completamente, e se houver algum lucro, não será dos massacrados.

 

 

Silêncios em momentos delicados. Roupas meticulosamente consideradas para não parecer isso ou aquilo. O batom pode parecer vulgar, o cabelo, melhor prender. Mas, não prenda de maneira assim ou assada. O “rabo de cavalo” atrai. Gera violência sexual. Se houver estrangulamento de alguma pessoa, será provavelmente contra mulheres, disseram vozes especialistas em estatísticas sobre feminicídio. Porque não basta matar, é preciso dominar e destruir completamente.

 

 

Na vizinhança é preciso cuidado, se muito alegre, o que poderão pensar? Aliás, este é um cuidado que se deve ter em todos os ambientes, alegria é coisa que não se respeita, só pode ter coisa, aí tem. As meninas que se cuidem, que usem roupas mais adequadas, senão a violência bate à porta, ou ao vestido, ou à bermuda, ou à calça comprida e ninguém saberá explicar tamanha tragédia. Meninos afeminados servem aos homens seguros de si. Servir, o diferente deve estar pronto para servir sempre. Um horror. Se houver gravidez, parto, aborto, nada nunca satisfará a sociedade que tomará as rédeas das decisões de outros corpos como seus, aprofundando o sofrimento e opressão sobre estes humilhados seres. A tragédia não tem fim.

 

 

Em todos os ambientes, em todos os lugares, ao menor sinal de não ser homem, cuidado.

 

 

Mas, também poderão dizer, é só adquirir características semelhantes. O desrespeito vem porque  violentados não se impõe. Fale firme, seja imponente, haja com sisudez. Se dê ao respeito. Se falar com firmeza, se for sisuda, certamente refletirá problemas sexuais, deve ser falta de um homem em sua vida. Levante a voz, faça valer seus direitos. Ah, levantar a voz é histeria, está na hora de medicação pois, ninguém suporta “mimimis”.

 

 

E os amados homens também certamente não se aguentarão. Sozinhos não ficam, é preciso um exército de oprimidos para dar conta de seus vazios. É preciso arma. É preciso substâncias diversas para tentar sanar essa condição deprimente de ódio ao mundo e de amores reprimidos que não sabem e não se permitem viver. A doença é severa.

 

 

Mas, vamos juntes. Tentemos diminuir nossa dor, e nosso sofrimento. Eles não nos veem. Eles não nos ouvem. Eles não nos amam. Eles não se importam nenhum pouco. Eles cagam e andam. E é tão dolorido que seja assim.

 

 

E, nem sempre foi assim. O que se conta é que mulheres já tiveram vidas mais livres, em sociedades com abundância de alimentos, em que caçadores e coletores que dispunham de frutas, plantas, e pequenos animais para se alimentar e caçar, não havia habilidade alguma a mais dos homens, a força física não era algo para gerar superioridade dos homens. E, as mulheres, por gerarem vida, ainda eram mais respeitadas por essa condição. Os ciclos menstruais, por exemplo, apoiavam certo controle do tempo, e por isso uma conexão com as questões da natureza e uma compreensão de fenômenos pela observação e comparação que permitia esse controle temporal. Grupos viviam com muito menos violência e controle uns sobre os outros, e menos ainda de todos os homens sobre mulheres e sobre os diferentes.

 

 

Mesmo que esse terror vivenciado cotidianamente já não fosse o suficiente para querer mudança, sabendo que a história já mostrou sermos capazes de sermos melhores é preciso e urgente mudar. Essa forma de perseguir um ideal de superioridade, de controle, de dominação é de fato, por mais que a palavra esteja banalizada, insustentável.

 

 

Não, não aguentamos mais, nem um pouquinho mais. Queremos ser gente, nos permitir, existir, falar, ouvir, viver, ser, respirar, dançar, menstruar, transar, sorrir, cantar, plantar, trabalhar, descansar, conviver e amar, amar profundamente tudo que pudermos amar, assim como queremos que nos deixem, nos admirem, nos entendam, nos ouçam, nos permitam, nos amem e nos ajudem a fazer nossas vidas melhores.

Equipe Gazeta
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