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Da ficção à realidade, o admirável mundo novo se mostra como uma face do mundo atual. A constante tecnicização das relações de trabalho, o avanço tecnológico sobre as comunicações, o desmonte das antigas noções de tempo e espaço em nome do instantâneo e a ressignificação dos relacionamentos interpessoais são questões centrais do presente. Enquanto escrevo estas palavras milhões de dados são compartilhados ao redor do mundo, pessoas iniciam e findam relacionamentos nos mais diversos graus e o mundo virtual não se distingue mais do mundo material. A necessidade de velocidade, de fazer parte, de ser algo, de mostrar e ser feliz são pujantes. Reações e compartilhamentos são o parâmetro da sociedade hodierna. A ansiedade é crescente. E, depois de se instaurar esse mundo, enfrentar os desafios do mundo real torna-se uma penúria; ansiolíticos se tornam parte da rotina. É quase o que Huxley escreveu.

 

Na grande obra de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo (Globo, 1989), a personagem Lenina resolve ir conhecer a reserva de selvagens mantida em uma região longínqua e cercada por um forte aparato de segurança para que de lá ninguém saia. Na reserva, as pessoas são descritas como os nativos das Américas: pessoas cheias de crenças, rituais e laços interpessoais. Cenário muito distinto daquele do mundo novo, onde as relações ganharam caráter muito mais pragmático, voltado à eficiência e ao consumo. Abolem-se as relações familiares, desde que nascem as crianças são condicionadas a uma forma de vida desapegada, de aparência e de consumo. Quando Lenina se dá conta de que não terá acesso aos comprimidos de soma – pílulas que aliviam medo e estresse, deixando as pessoas imediatamente felizes e dopadas – durante o dia de visita, logo começa a temer.

 

Na era da selfie, o consumo de antidepressivos aumentou 74% no Brasil[1] (2010 a 2016). Já o consumo de ansiolíticos, no mesmo período, cresceu 110%. Azevedo, Araújo e Ferreira têm um estudo que mostra a correlação do aumento do uso de drogas para controle do sistema nervoso com característica sociodemográficas[2]. Trago esses dados para contextualizar a existência de um problema sério, pois nossa abordagem não pretende apresentar respostas, inserindo-se no campo da filosofia crítica. Duas questões são fundamentais para iniciarmos este debate: a que se deve a “epidemia” de diagnósticos que ocorre no Brasil? Quais os fatores envolvidos neste mundo novo, no qual as relações se liquefazem (Bauman) e suportar uma existência confortável almejada pelas gerações passadas se tornou um fardo a ser remediado?

 

Yuval Harari aponta em seu best-seller Sapiens (L&PM, 2016) que não houve qualquer período na história em que a humanidade tenha tido um período de paz bélica como o atual. Não há qualquer indício de que amanhã o Brasil possa entrar em guerra contra seus vizinhos ou que as tribos da Amazônia resolvam recuperar seu território por meio da força. Todavia, as desigualdades sociais persistem e a distribuição de renda fica cada vez mais desigual.

 

É necessário que paremos por um minuto para refletir: quanto tempo passamos no celular? Quando foi a última vez que nos divertimos sinceramente com as pessoas que gostamos? Vivemos ou apenas estamos online? Quem sabe nos desconectarmos, vivermos mais a vida real sejam medidas para evitarmos a emergência de um mundo novo de anestesias.

 

[1] Disponível em: <<https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/consumo-de-antidepressivos-cresce-74-em-seis-anos-no-brasil/>>.

[2] AZEVEDO, ÂNGELO JOSÉ PIMENTEL DE ; ARAÚJO, AURIGENA ANTUNES DE ; FERREIRA, MARIA ÂNGELA FERNANDES . Consumo de ansiolíticos benzodiazepínicos: uma correlação entre dados do SNGPC e indicadores sociodemográficos nas capitais brasileiras. Ciência & Saúde Coletiva (Online), v. 21, p. 83-90, 2016.

Equipe Gazeta
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