Escrito por;
Charles Eduardo Almeida Brito. Advogado. Especialista em Direito Processual Civil. Militante no Direito Criminal e Civil.
O feminicídio no sentido objetivo da lei penal é – o crime de homicídio cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 121, inciso VI e §2º-A do Código Penal). Para compreender o sentido do tema e sua contextualização no tecido social, é necessário ultrapassar o conceito e sua dogmática jurídica.
Com o advento da lei n. 13.104/2015, foi introduzido no Código Penal Brasileiro, especificadamente ao art. 121, a qualificadora do feminicídio. Sendo que, considera-se feminicídio o homicídio aventado em face da mulher, envolvendo violência doméstica e familiar, bem como a condição de menosprezo e descriminação contra à mulher. Pune-se essa conduta com pena de 12 a 30 anos.
A lei é tardia e polemista. Morosa como toda lei que protege mulheres; impugnável pela forma e pela matriz social patriarcal que insiste em legitimar violências simbólicas.
Falar em morte de mulher é, em primeiro, anunciar à tragédia – a mulher como ser matável, ferível. Como objeto, posse, dominação e desprezo. Essa ameaça constante, espalha-se na natureza “muda” da violência contra mulher; que exprime a edificação social construída pela obediência encadernada em violência artificial silenciada no próprio espaço em que ocorre.
Certos homicídios são chamados de passionais. A termologia deriva-se de paixão. Crime cometido sobre influência de paixão. Por muito tempo, essa conduta enaltecia a figura do homicida passional, de forma equivocada e superficial. Essa paixão homicida, no entanto, não deriva do amor, e sim, do ódio.
Esse crivo espelha àquilo já encontrado no social, na condição da mulher como elemento vulnerável nas relações amorosas e afetuosas. A relação assassina sinaliza várias vezes antes de se consumar.
Segundo o atlas da violência de 2020: 1 mulher é assinada a cada 2 horas no Brasil. A condição de gênero é fato determinante a esses números. A equiparação de direitos outorgada pela Carta Política de 1988, na prática ainda apela efeitos. De outro norte, a represaria à condição de igualdade de gênero é gritante – inclusive pela morte.
O criminoso conjugal está presente nas relações familiares, travestido, passivo e agradável. Manso, até sentir-se ameaçado na sua condição de domínio. A grosso modo, na saúde e na doença até que a morte nos separe. Aqui, a morte separa. Custa acreditar, mas separa. Inclusive, pelo próprio parceiro, em uma simbiose de ciúme e paixão, e quando o amor vira ódio ele mata.
Frente as questões apresentadas, tem-se que a lei penal que circula na proteção da mulher, inclusive por medidas protetivas, tem pouco efeito. Unicamente porque o direito penal serve para punir, não para prevenir. Sendo assim, é mais viável e barato investir em direito penal do que em políticas públicas. Destarte, compreende-se como feminicídio a morte histórica e silenciada da mulher na sociedade.
Referências.
CERQUEIRA, D.; BUENO, S. (Coord.). Atlas da violência 2020. Brasília: Ipea; FBSP, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020. Acesso em 31 de ago. de 2021.
CUNHA, Rogério Sanchez. Manual de Direito Penal – parte especial. 13ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020.
ELUF, Luíza Nagibe. A paixão no banco dos réus. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007.