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O DEMÔNIO DO BURACO DOS BUGRES – Floresta Nacional de Três Barras

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Por: Carlos Ribeiro

 

A narrativa foi revelada pouco antes do último suspiro de um antigo trabalhador da Fazenda Rio dos Pardos e que, pelo conhecimento e habilidades no trato com a mata preta e o trabalho pesado, acabou por ser contratado no ano de 1944 pelo Instituto Nacional do Pinho, dedicando sua vida na Floresta Nacional de Três Barras por um quarto de século.

 

Esta é a narrativa que tardia e misteriosamente nos chegou por um anônimo confidente daquele trabalhador moribundo:

 

Por volta de 1945, o jovem José Martins, trabalhador braçal da Estação Florestal dos Pardos, fazia com foice, muito suor e sangue a roçada do local chamado “Buraco dos Bugres” cujos nhapindás pareciam intransponíveis. Levava consigo um farnel composto por um porongo de água de poço, quirera, um naco de carne cozida e um pouco de cachaça, uma vez que planejara roçar o local até o fim do dia, livrando-se logo daquele fardo pesado, pois o verão parecia queimar a Terra e, inclemente, fustigava à todos.

 

Começou na lida por volta das sete horas da manhã e trabalhou até o meio dia, quando lhe embargou a vontade o sol a pino daquela manhã quente e opressora.

 

Parou, fez sua frugal refeição e descansou um pouco. Não sabe se foi sonho ou visagem, após bebericar a aguardente, passar por uma madorma e ser acordado por um enxame de moscas, viu surgindo por entre a mata a imagem de uma mulher bonita, com vestes celestiais e translúcidas, muito fina no trato e trazendo o que parecia ser a Bíblia nas delicadas e brancas mãos.

 

A Dama lhe disse conhecer as Sagradas Escrituras e que se andasse com Ela (a Dama) seguindo seus ensinamentos, lhe seria concedida a graça da sorte no amor e fortuna na vida terrena.

 

O trabalhador calejado, até certo ponto inculto, porém reto e conhecedor das Sagradas Escrituras, disse-lhe compreender e seguir apenas o Sermão da Montanha, no qual o próprio Cristo, segundo São Mateus (5-7), construía as bases de uma sociedade universal, mais justa e igualitária, baseada no perdão, no amor e na fraternidade.

 

E arguiu ainda o simplório matuto – “A Senhora não conhece o Sermão da Montanha?”

 

Respondeu-lhe a Dama – “Ora Conheço!!!”

 

Prontamente o trabalhador pleiteou – “Então me fale!!!”

 

Neste momento a Dama, já sedutoramente desnuda, largando o livro, transformou-se no Diabo e vaticinou que haveria muitas pragas naquelas paragens.

 

Disse-lhe o Demônio: “Haverá aqui pragas de gafanhotos, estiagens e enchentes, geadas consecutivas, ventanias destruidoras, egoísmo, ladroagem e rapina que lograrão levar miséria e discórdia. A água, a terra e o ar serão empesteados com toda sorte de veneno. As suas florestas serão invadidas e dizimadas por coisas alheias. Os ricos serão sempre cada vez mais ricos e os pobres muito mais miseráveis e injustiçados.”

 

O trabalhador fazendo o sinal da cruz, percebendo o olhar vazio do Dianho, sua astúcia e vileza, lhe disse intuitivamente – “Vá de retro Satanás!!!” e o Capiroto sumiu numa bola de fogo e fumaça catinguenta de enxofre.

 

O fato é que já no ano de 1946 uma assustadora praga de gafanhotos assolou a região, seguida ao longo dos anos de estiagens, enchentes e ventanias assassinas, dificultando a vida de todos, ou quase todos, (pior para alguns menos privilegiados). De fato, os ricos ficavam mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis, como dito na profecia da visagem maldita.

 

José Martins seguiu humilde seu curso, carregando o fardo e trabalhando como um burro de carga, dedicando seus dias ao funcionamento do já denominado Parque Florestal Joaquim Fiuza Ramos no Instituto Nacional do Pinho.

 

Como peão que era, enfrentou bravamente como todos daqui, o rigoroso inverno de 1952 com intensas geadas seguidas e frio nunca visto, que dizimaram todo o trabalho de sete anos de plantios de cedro, sequoia e araucária. De fato naquele ano de 1952 todos no Parque Florestal acharam que o trabalho tinha sido em vão, que o mundo acabaria em gelo e que estavam sendo castigados por Deus.

 

José lembrou da visagem do Dianho no Buraco dos Bugres mas nunca aceitou as profecias malditas do Tinhoso, tampouco dividira com alguém o segredo daquele malfadado encontro, nem com Mariazinha sua esposa.

 

Todos no Parque Florestal continuaram seu trabalho. Em 1953 começaram a replantar o que foi destruído no rigoroso inverno anterior. Foram restituindo os plantios de araucária ao longo dos anos. Mantinham com afinco as edificações, estradas e aceiros do Instituto Nacional do Pinho. Por volta dos anos sessenta, apesar de conflitos sociais pela região, aconteciam melhorias nas condições de vida dos trabalhadores do Parque com a ampliação das casas da Vila Operária, proporcionando-lhes mais conforto e confiança no futuro. Na Capelinha do Parque aos domingos, oravam por um Brasil melhor e mais justo para todos.

 

Em meados dos anos sessenta os Institutos do Pinho e do Mate foram transformados em Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF. Nesta época já haviam começado os experimentos com uma espécie de árvore da América do Norte, pioneira e de rápido crescimento, que depois viria se revelar riqueza para alguns, praga para outros, o Pinus elliottii.

 

No ano de 1969, José Martins, mais velho e experiente, já habilitado como tratorista, roçava um aceiro em declive entre talhões de araucária plantada. Veio-lhe atormentar novamente o Dianho e lhe disse maliciosamente – “Não vos disse que esta terra não vingaria? Estais a trabalhar para os ladrões nesta Floresta e não ficais rico!!! Não podeis comprar o vestido que Mariazinha tanto admira, nem podeis levá-la a passear, como fazem teus patrões com suas esposas.”

 

Martins lhe respondeu – “Engana-se maldito, pois aqui nesta Floresta muito se trabalha e o trabalho honesto dignifica o homem. Esta Floresta ainda trará justiça, felicidade, sabedoria e prosperidade para muita gente!!!”

 

O Diabo com inveja, percebendo a fortaleza e sapiência do matuto, sabotou-lhe com aquela distração da resposta a perícia na lida com a máquina, de modo que o trator desceu inexplicavelmente o aceiro, em velocidade tombou, virou as rodas para o ar e feriu de morte o valoroso Martins.

 

Os colegas de trabalho acorreram desesperados ao seu socorro, porém os ferimentos no tórax por ele sofridos no acidente lhe decretariam a morte pouco depois, ali mesmo.

 

Antes de morrer sob o trator, José Martins, como por milagre, num último sopro de bravura, resistência e vida, segurando a mão de quem o socorreu, contou a história do encontro no Buraco dos Bugres e da maldita profecia. Afirmou ainda que o Diabo o atormentou novamente e foi quem havia desabalado o trator aceiro abaixo provocando o acidente.

 

Por fim, pediu ao colega: – “Mantenha o nosso Parque Florestal vivo de esperança. Não deixe que a profecia do Tinhoso se cumpra!!!” Suspirou e morreu.

 

Na verdade o confidente que nos trouxe esta história e pediu para não ser identificado resta falecido também. Acreditamos que ambos, Martins e o confidente, cumpriram sua missão e foram recebidos na Glória de Deus.

 

Com relação às pragas do Dianho, relatadas por Martins antes de morrer e a nós reportadas pelo anônimo confidente, acreditamos que algumas se cumpriram e outras, infelizmente, ainda estão em cumprimento pela ganância do Homem.

 

O fato é que até hoje os trabalhadores do Parque Florestal lutam para que as malditas profecias não se valham e as últimas palavras de um trabalhador virtuoso ecoem na eternidade e se cumpram:

 

“Nesta Floresta muito se trabalha e o trabalho honesto dignifica o homem. Esta Floresta ainda trará justiça, felicidade, sabedoria e prosperidade para muita gente!!!”

 

Esta crônica é uma obra literária de ficção.

 

Carlos Ribeiro é analista ambiental do ICMBio, Chefe da Floresta Nacional de Três Barras antigo Parque Florestal Joaquim Fiuza Ramos (Estação Florestal dos Pardos).

Equipe Gazeta
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