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Movimentos relacionados à São João Maria posteriores ao movimento sertanejo do Contestado

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Escrito por;

Évelyn Bueno. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado (UnC)

João Carlos Vicente de Lima. Especialista em Direito Administrativo.

 

Após o término do Movimento Sertanejo do Contestado (1916), houve novas concentrações realizadas em crença à tradição religiosa de São João Maria. Sendo eles os movimentos de: Cruzeiro (1921), Bonifácio Papudo (1921-23), Índios Kaigang de Pitanga (1923), Monges Barbudos de Soledade (1935-1938) e dos Alonsos (1942), todos denominados de Movimentos pós-Contestado.

 

 

O primeiro movimento pós-Contestado de que se tem notícia trata-se do Movimento de Cruzeiro, ocorrido em 1921, na localidade de Pinheiro Grande, município de Cruzeiro e distrito de Bella Vista, atualmente pertencente ao município de Joaçaba (SC). No local reuniu-se aproximadamente 200 pessoas, devotas de João Maria e Maria das Neves, denominada pelos fiéis de “Santa Maria Virgem”. As práticas religiosas eram guiadas por Antônio Palhano, mas, quem operava milagres era Maria das Neves. Dentre as atividades tradicionais e religiosas era recorrente, senão diária, as cerimônias ou penitências, acompanhadas do cântico dos devotos.

 

 

Os integrantes do reduto levavam vida simples, alimentavam-se com recursos próprios, assim como da agricultura de subsistência. Com o desenvolvimento da tradição religiosa, muitos dos devotos deixaram seus trabalhos para dedicarem-se exclusivamente à religião. Espalhou-se na comunidade a informação de que os fiéis, paulatinamente, vinham deixando seus empregos, e logo após houve acusações de furtos às casas vizinhas, particularmente daqueles considerados hereges.

 

 

Após acusação de furto ao estabelecimento comercial de Brostolin, as autoridades do município de Cruzeiro foram notificadas, porém, até o momento não foram rastreadas fontes aptas a relatar o desfecho de tal movimento, abrindo-se campo para futuras pesquisas.

 

 

O segundo movimento foi liderado por Bonifácio Papudo, ex-integrante do movimento sertanejo do Contestado, situado no município de Rio Negro (PR), município limítrofe de Mafra (SC). Em janeiro de 1923 o acampamento foi atacado pela força policial. Aproximadamente 30 integrantes foram capturados no município de Mafra durante a tentativa de fuga. Bonifácio papudo obteve êxito ao refugiar-se nas matas e continuou foragido das autoridades locais.

 

 

No mesmo ano (1923), meses mais tarde, eclodia o movimento de Pitanga (PR), protagonizado pela comunidade indígena Kaigang. O início do conflito originou-se pela disputa de terras. Por intermédio do Decreto nº 294 de 1913, os índios Kaigang foram forçados a deixar a reservada localizada à margem direita do Rio Ivaí, concedida a eles em 09 de setembro de 1901, de modo que se mudaram para a margem esquerda daquele Rio. Cabe destacar que o novo território ocupado pelos Kaigang não foi demarcado, causando insegurança na comunidade indígena. A expropriação orquestrada pelo Governo do Paraná, deu-se com o objetivo de colonização, sob a alegação de necessidade de povoação daquele “vazio demográfico”, uma vez que não consideravam as populações indígenas que ali viviam.

 

 

Além das desapropriações que ocorriam com frequência, os colonos começaram a reduzir a reserva dos Kaigang, e estes começaram a saquear sítios vizinhos, furtando animais para alimentação, pois lhes faltavam caça, diante da redução de suas reservas. Sendo o principal motivo para o início dos desentendimentos entre índios e não-índios. Quando pegos praticando furto, os índios eram maltratados ou mortos. As lideranças indígenas optaram pela revolta como única forma de recuperar suas terras e pôr fim às crueldades cometidas pelos não-índios.

 

 

Em 1º de abril de 1923, os índios invadiram a sede da Vila de Pitanga e saquearam casas comerciais e estabeleceram-se por certo período no local. Alguns moradores da vila permaneceram no povoado como sinal de resistência. Durante reunião religiosa da comunidade indígena, tradição ligada a memória do monge João Maria, que ocorria na capela da cidade, os moradores entraram na capela e abriram fogo contra os índios que ali estavam, conflito que resultou em inúmeras mortes. Após desse ataque, os índios decidiram recolher seus mortos e retornar para a mata. Somente após o conflito, em 1924 os limites da Terra Indígena do Ivaí foram demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

 

 

Importante observar a presença da tradição de São João Maria na comunidade indígena, que se deve a intensa ocupação por imigrantes na região de Pitanga, entre eles indivíduos que abandonando a área do Contestado, trouxeram consigo a crença no Monge.

 

 

A resistência indígena expressa-se na luta pela terra e pela não aceitação da colonização, que vinha gradativamente lhes expropriando território. Podendo, a resistência indígena ser relacionada com as memórias do Contestado, de modo que a religião, em especial a figura de João Maria é por eles ressignificada, fortalecendo suas crenças e luta.

 

 

Em território Sul-rio-grandense, na região de Lagoão e Soledade, entre os anos de 1935 e 1938 ocorreu o denominado Movimentos dos Monges Barbudos de Soledade, quando um sujeito chamado Deca França relata ter recebido uma visita de João Maria, o qual lhe atribuiu a missão de liderar uma nova religião, que se tornou posteriormente a religião dos Monges Barbudos. Eram assim denominados por não cortarem os cabelos e barbas e por serem devotos do Monge João Maria.

 

 

Deca França receou a incumbência que lhe fora conferida pelo Monge, pois era pessoa simples e analfabeto, mas há relatos na comunidade de que após a profecia de João Maria, Deca passou da condição de analfabeto para pessoa esclarecida e de grande sabedoria, passando a realizar curas e rezas em auxílio aos fiéis. Em poucos meses cresce na localidade a comunidade de devotos de João Maria.

 

 

A tradição celebrada entre os Monges Barbudos ligava-se à natureza e a terra. Grande parte dos integrantes do grupo eram camponeses e agricultores. Levavam vida simples, e todas as representações religiosas encontravam-se associadas com a natureza. Na localidade a principal economia era a plantação e o tratamento de fumo, que depois de secos eram trocadas por outras mercadorias nas casas comerciais da região, conhecidas como bodegas. Deca, teria sido alertado pelo Monge na sua visita, que a atividade de manejo do fumo era prejudicial à saúde, e incentivou os devotos do grupo a abandonarem-na, situação que causou descontentamento nos comerciantes da região, haja vista que o fumo era de grande importância para a economia local.

 

 

Além disso, Deca divulgava que a vinda de Jesus Cristo estava prevista para ocorrer na Semana Santa do ano de 1938, e que apenas os fiéis de seu grupo poderiam ser salvos. Em preparação ao retorno de Cristo os adeptos passaram a dedicar-se exclusivamente à religião, cultivavam o suficiente para sua sobrevivência, mas reservavam o restante do tempo para orações. A respectiva conduta era mal vista pelos não-adeptos que vivam nas redondezas, que os viam a partir de uma imagem pejorativa, de preguiçosos e fanáticos.

 

 

Os Monges Barbudos sofreram diversas acusações, especialmente a de que eram comunistas. Cabe destacar que na década de 1930, todo movimento que apresentasse ações divergentes da ordem nacional era qualificado como forte ameaça e inimigos. Deste modo criou-se a imagem os monges como agentes da desagregação nacional.

 

 

Com a aproximação da Semana Santa de 1938, foi instalada uma capela no 6º distrito de Soledade, dedicada a santa Catarina. Os devotos direcionaram-se para a capela para realizar suas preces e tradições religiosas. Com a crescente concentração de pessoas no local, os moradores da região não-devotos, especialmente os comerciantes, acionaram a força policial da localidade, que, em razão do pequeno contingente recebeu auxilio das tropas de Porto Alegre, Santa Maria e Passo fundo, tropas que já estavam cientes da existência do grupo dos Monges Barbudos, os quais consideravam fanáticos de ideias subversivas, que representavam ameaça à ordem instaurada, devendo ser combatidos.

 

 

Desse modo, em uma rápida ação na Sexta-feira Santa de 1938, foram atacados pelo agrupamento da força policial na capela de Santa Catarina, momento em que muitos foram mortos, inclusive as lideranças do movimento Deca França e Anastácio Fiuza. Inúmeros devotos foram presos e espancados. Após o massacre realizado contra a comunidade, e com a dispersão dos sobreviventes, foram os sertanejos proibidos de reunirem-se novamente para praticar suas crenças.

 

 

Os Monges Barbudos não portavam armas, apenas reuniam-se nos finais de semana na capela da localidade para realizar suas orações, nada de anormal para uma comunidade com tradições religiosas. Porém, o movimento teve fim de forma trágica e violenta. Foram vítimas de um cenário no qual divergências políticas e interesses econômicos eram motivos suficientes para a geração de conflitos.

 

 

Para encerrar a linha histórica-cronológica dos movimentos Pós-Contestado têm-se o Movimento dos Alonsos (1942), ocorrido no distrito de Timbó, anteriormente pertencente ao município de Porto União (SC), atualmente situado no município de Timbó Grande (SC). Esse movimento foi rapidamente suprimido pelas autoridades locais após a notificação de alguns fazendeiros do planalto catarinense, que solicitavam a repressão de um grupo de caboclos, liderados por Elias Mota, que se reuniam em nome e em tradição à João Maria.

 

 

Na localidade de Timbó, às margens do rio Tamanduá iniciava-se um pequeno agrupamento de pessoas, que viviam em pequenos ranchos. Até o momento do ataque – ocorrido em meados de abril de 1942 – havia no local poucos ranchos pertencentes aos devotos, de modo que tal concentração não teve tempo para promover seu crescimento. No rápido ataque perpetrado pela polícia à comunidade, destruíram todos os acampamentos e prenderam as lideranças Elias Mota e Júlio Alonso – que participou da Guerra do Contestado ao lado dos “rebeldes”, e alguns membros, entre eles: Gonçalo José dos Santos, Jorge José dos Santos, João José dos Santos Sobrinho, Euclides José dos Santos e Oliveira Gonçalo.

 

 

Da mesma forma que ocorreu com os demais movimentos anteriormente narrados, foram a eles atribuídos uma imagem negativa, chamados de “fanáticos” – termo depreciativo que também era aplicado aos rebeldes durante a Guerra do Contestado – e atribuíram a Elias Mota características pejorativas, alegando que antes de organizar o movimento era palhaço e vagabundo.

 

 

Os movimentos aqui estudados, tiveram fim com o tratamento comum imposto aos movimentos religiosos ocorridos no Brasil, por intermédio do emprego de violência e mediante repressão e negação de suas culturas e tradições religiosas. Tais atos foram exercidos por diversos motivos: políticos, econômicos e disputa pela terra, atitudes legitimadas pelo medo e sustentados por interesses políticos e econômicos.

 

 

Cabe destacar que a presença da Guerra do Contestado na Região do Planalto Catarinense preserva seus símbolos, como exemplo, é possível mencionar a Universidade do Contestado, a academia Contestado crossfit, o ex posto de combustível Contestado, substituído pelo posto Dibrape, o Assentamento Filhos do Contestado, entre outros símbolos que remetem a esse episódio da história regional.

 

 

Referências

 

EURICH, Grazieli. Movimentos sociorreligiosos entre os indígenas e os “fanáticos” Kaingang do Ivaí em 1923, Paraná. In. XXVII Simpósio Nacional de História. 2015, Florianópolis-SC. Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios.

 

FILATOW, Fabian. Do Sagrado à Heresia: o caso dos Monges Barbudos (1935-1938). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: 2002. Dissertação.

 

MACHADO, Paulo Pinheiro. “Uma constelação de concentrações: a tradição de “São João Maria”” e movimentos rurais no Sul do Brasil”. In: WEHLING, Arno; et al. Cem anos do Contestado: memória, história e patrimônio. Florianópolis: Memorial MPSC, p.71-87, 2013.

 

Fontes consultadas:

A noite. Rio de Janeiro 15/01/1923. Edição 03996.

A Razão. São Francisco do Sul 16/04/1921. Ano 4, n. 104.

Equipe Gazeta
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