A crescente e intensa difusão das redes de supermercados, e, mais recentemente, o comércio atacadista nas cidades, coloca em crise e ameaça a continuidade das pequenas atividades econômicas, como os estabelecimentos comerciais de proximidade e de pequeno porte, que inclui as mercearias, o comércio de “secos e molhados”, os mercados públicos municipais e as feiras livres, realizadas em praças e ruas.
Do mesmo modo, o comércio local, como atividades presenciais de intercâmbio, interação e socialização, é impactado pelas profundas transformações decorrentes do processo da globalização econômica dos últimos anos, com as novas tecnologias, que permitem a compra de produtos diretamente pela internet ou por meio de aplicativos. Essas mudanças foram aceleradas a partir da pandemia da Covid-19. Neste contexto, as grandes redes de supermercados e as compras realizadas mediante o uso das novas tecnologias parecem ganhar batalhas na conquista da clientela, colocando em risco a sobrevivência do comércio tradicional local e regional.
Na cultura ocidental, a troca e o intercâmbio de produtos em espaços públicos foi uma das formas mais antigas de comércio. As feiras de rua, por exemplo, alcançaram seu ápice na Idade Média, transformando muitas cidades em grandes mercados. O negócio feito em tendas evoluiu para locais fixos, na parte térrea dos edifícios, conjugados com a moradia dos comerciantes. Já os grandes mercados públicos cobertos surgiram com a Revolução Industrial, na Europa, transformando-se em um dos locais mais concorridos das cidades. Atualmente, alguns são verdadeiros monumentos arquitetônicos que conservam traços da arquitetura e de suas funções originais. Ao mesmo tempo, está se tentando resgatar as feiras livres nas ruas, como uma forma de prestigiar a produção local em favor de um modo de consumo mais responsável, de cooperação e comprometido socialmente com os pequenos produtores e comerciantes.
Nesta direção, questiona-se: Qual é o futuro das feiras livres e dos mercados públicos municipais diante destas mudanças vorazes, promovidas pelo processo de globalização? Se, em algumas das grandes cidades há a revalorização dos mercados públicos municipais como lugar de comércio e turismo, nas cidades pequenas e médias, as redes de supermercados ou de atacadistas parecem ocupar cada vez mais espaços, ameaçando, inclusive, a continuidade de ação dos pequenos comércios dos bairros e as lojas tradicionais urbanos. Nesse processo, o que se perde não é somente o pequeno comércio, mas, as relações de interação, socialização e a economia local que tais atividades oferecem. Afinal, em tais feiras ou comércio local se estabelecem a interação direta entre clientes e comerciantes e os laços de comunidade, de confiança, da dimensão pública e da continuidade do comércio local, que, por vezes, é familiar. O comércio tradicional e de proximidade é um importante propulsor de vitalidade urbana e coesão social. Como efeito, as ruas comerciais são as mais movimentadas ou “vibrantes” e com mais interação entre as pessoas. O comércio faz a cidade.
Os mercados públicos e feiras livres são importantes para a sobrevivência dos pequenos produtores e comerciantes locais e regionais, normalmente incapazes de competir com as grandes redes comerciais. Há uma questão econômica e social que deve ser considerada na defesa do pequeno comércio tradicional. Ao privilegiar esta forma de negócio, compromete-se com o desenvolvimento da produção local e as formas de comércio justo e de proximidade. Diante da abundância de produtos fabricados em outras partes e países, englobando uma rede complexa de logística e transportes, que favorece grandes corporações e multinacionais, a valorização da produção local deve fazer parte de políticas públicas de fomento econômico.
Para isso, é preciso resgatar e revalorizar circuitos curtos de produção, circulação e consumo de produtos, por meio dos mercados públicos municipais, das feiras livres e da aquisição de produtos dos pequenos comércios tradicionais, como estratégia de desenvolvimento socioeconômico regional e de revitalização urbana. Para conquistar a clientela e o gosto da comunidade, é preciso oferecer espaços arquitetônicos de qualidade, atrativos, seguros, confortáveis, higiênicos, incluindo lugares agradáveis para a convivência e encontro entre as pessoas. Além do mais, estas formas de comércio devem ser norteadas pelos princípios da sustentabilidade ambiental, do comércio justo e da valorização da cultura e da produção local. Nesta direção, as políticas públicas de incentivo, apoio e viabilidade da produção, consumo e comércio local, constituem-se em necessidades emergentes e urgentes, como uma das maneiras de promoção da geração de trabalho, renda e qualidade de vida.
Autores:
João Ricardo Licnerski. Doutorando no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC). Mestre em Geografia, arquiteto e urbanista.
Dr. Jairo Marchesan. Docente dos Programas de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional e do Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental da Universidade do Contestado (UNC).
E-mail: [email protected]