Na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi adotada a tradição moderna ocidental da tripartição dos poderes, com algumas diferenças em relação à concepção original de Montesquieu, distinções essas que decorrem dos diferentes períodos em que a tripartição foi cunhada e o período em que foi promulgada nossa Constituição.
Na concepção original de Montesquieu, o judiciário era um poder neutro. Como não pode existir um poder neutro, melhor seria defini-lo como um poder moderador em relação aos possíveis excessos por parte dos outros dois poderes, o Legislativo e o Executivo. Essa medida resultou das revoluções burguesas, uma solução pensada para garantir o fim dos privilégios do segundo estado (nobreza), dominante à época.
À época do Ancien Régime, período compreendido entre o século XV e a Revolução Francesa, os juízes julgavam a todos, mas as leis eram distintas para os integrantes das classes sociais distintas: clero (primeiro estado), nobreza (segundo estado) e todos os que não faziam parte do primeiro e do segundo estado, burgueses e proletários, portanto (terceiro estado).
Para que o judiciário aplicasse as leis igualmente, fenômeno chamado de igualdade formal, a igualdade de todos perante à lei, era necessário que os juízes não pudessem inovar, não pudessem ter poder para criar o direito, somente para aplicar o direito criado pelo legislativo. A fonte formal do direito, por excelência, passou a ser a lei, documento criado pelo legislativo no qual eram declarados os direitos. A isso foi chamado princípio da legalidade.
O princípio da legalidade recebeu, com a criação do estado moderno, liberal burguês, uma dúplice função. Primeiro, garantir que os agentes do estado só possam agir da maneira expressamente definida em lei. Segundo, garantir aos cidadãos que o estado não se exceda no cumprimento das leis.
O exercício do poder pelo estado foi dividido em três funções básicas a partir de uma Constituição, um documento emanado da vontade do povo, por meio de representantes eleitos e reunidos em Assembleia Nacional Constituinte. A primeira função foi criar leis que complementem à Constituição. A segunda, executar as leis por iniciativa própria para cobrança de impostos, garantia da segurança interna (polícia) e externa (exército) e estabelecer relações diplomáticas. A terceira, aplicar as leis aos casos concretos em que foram descumpridas, mediante o requerimento de alguém.
Teoria da tripartição do poder
Legislativo Executivo Judiciário
Esse modelo sofreu várias transformações e varia de um estado-nação para outro. Duas transformações muito importantes foram a inclusão de direitos prestacionais que implicam não somente num não agir contra o cidadão ou em agir conforme as leis, mas em garantir aos cidadãos determinados direitos, como a educação e a saúde. Esse movimento ocorreu como reação à industrialização e à exploração dos trabalhadores.
Aproximadamente durante a Revolução Russa, em 1917 o México promulgou uma Constituição na qual criou um estado de bem-estar social, reconhecendo esses novos direitos. Em 1919 foi a vez da Constituição alemã da República de Weimar, no qual também foram reconhecidos os direitos sociais. Isso ocorreu provavelmente mais por pressões da expansão dos ideais socialistas do que por bondade.
Apesar da implementação do estado de bem-estar social, as guerras do século XX não foram evitadas. E, com os fins de ambas, novos movimentos de criação de constituições, chamados de constitucionalismo, foram estabelecidos em diversos países ocidentais. No Brasil esse efeito, como sempre, chegou atrasado, até porque vivíamos em plena ditadura do Estado Novo varguista no fim da 2ª Guerra. Em 1946 algo parecido com um estado de bem-estar social foi desenhado na Constituição que só durou até 1964 com o golpe e foi substituída por uma nova Constituição em 1967.
Com o fim da ditadura civil-militar (1964-1985), foi eleita uma nova Assembleia Nacional Constituinte para promulgar uma Constituição que colocasse o Brasil de volta nos trilhos das democracias ocidentais, se é que algum dia foi democrático. Os trabalhos foram concluídos em 5 de outubro de 1988 com uma Constituição ampla que contempla contraditórios interesses e tenta equilibrar essas contradições. Por um lado, há imposições de tratamento duro à certa criminalidade, por outro, imposições de reconhecimento de direitos de diversos grupos sociais marginalizados, oprimidos.
Seguindo a tendência ocidental, o judiciário recebeu mais atribuições, o que é resultado direto ou indireto das guerras da primeira metade do século passado. Os novos constitucionalismos reconheceram novos direitos e produziram constituições mais amplas, o que aumentou a margem de judicialização das relações sociais e políticas de todas as ordens a partir dos quais se manifestou o ativismo judicial.
No Brasil, cada lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser judicializada, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição, fator que, por um lado, ampliou o acesso das pessoas ao judiciário, mas, por outro lado, aprofundou os conflitos sociais e reduziu nossa capacidade de diálogo e organização social. Em suma, a possibilidade de judicialização das relações pavimentou o caminho para a terceirização da nossa capacidade de organização.
Muitas pessoas, desde então, buscaram e buscam no judiciário um grande pai que decidirá nossos conflitos sociais, apesar de o direito, como tudo, ter eficácia limitada e não ser uma panaceia para os problemas sociais. O fato de funcionar algumas vezes não significa que sempre funcionará, pois não há santos fazendo milagres, mas pessoas, mortais e falíveis, tentando resolver problemas.
Na organização do estado o judiciário ocupa uma parcela ampla do texto da Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal está organizado nos art. 101 e 102:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
- a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
- b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
- c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
- d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
- e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;
- f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;
- g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
- i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
- j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
- l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
- m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;
- n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;
- o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
- p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;
- q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;
- r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;
II – julgar, em recurso ordinário:
- a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;
- b) o crime político;
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
- a) contrariar dispositivo desta Constituição;
- b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
- c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
- d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
- 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
- 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
- 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Em síntese, o Supremo Tribunal Federal é responsável por julgar: (a) as autoridades com foro por prerrogativa, descritas no art. 102, I, alíneas b e c, da Constituição; (b) os conflitos entre o Brasil e outros estados-nação, os conflitos internos estabelecidos entre união, distrito federal e estados; e (c) a constitucionalidade das leis e das decisões judicias previstas no art. 102, III.
Na organização judiciária, em razão das funções constitucionais que tem, o Supremo Tribunal Federal é o Tribunal de mais alto grau.
Sandro Luiz Bazzanella
Doutor em Ciências Humanas (UFSC)
Professor titular de Filosofia na Graduação e no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado
Luiz Eduardo Cani
Mestrando em Desenvolvimento Regional (UnC)
Professor de Direito na Universidade do Contestado
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