De forma instantânea, o GLOBO foi informado pela coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos e Terceiro Setor do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), promotora Caroline Cabral Zonta, de que em Santa Catarina há 614.246 pacientes aguardando por exames. Logo em seguida, ela identifica que a maior demanda é em consultas de oftalmologia: 58.341 pacientes esperam por atendimento.
Com poucos cliques, ela identifica em seguida que na capital, Florianópolis, há uma fila de 69.194 pacientes. Na oftalmologia, este número fica em 19 mil.
A precisão dos dados do Sisreg em Santa Catarina faz parte de um projeto pioneiro no país, que teve início em 2015 e que ainda está em curso. Ele envolve o MPSC, em conjunto com a Assembleia Legislativa e a Secretaria estadual de Saúde de lá. De acordo com a promotora, tudo teve início em 2013, após uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatar que não havia controle algum nas filas de Santa Catarina.
– A auditoria identificou mais de 50 mil pessoas aguardando consultas e não tinha qualquer controle. Não havia nada. Em reunião técnica, hospitais informavam possuir o Sisreg, mas ele só era usado para alguns procedimentos.
A situação do estado era tão grave que já havia abreviações para se referir aos que furavam fila. Eles eram conhecidos como Paciente Amigo do Médico (PAM); Paciente Amigo do Funcionário (PAF); e Paciente Amigo do Político (PAP). Os acrônimos foram listados em uma reunião de secretários municipais de Saúde de Santa Catarina, em março de 2015. No documento, os secretários apontavam a necessidade de “garantir a universalidade e a equidade no acesso e diminuir os fura-filas já bem difundidos.”
No final daquele ano, a situação chegou ao MPSC, que colocou como prioridade de 2016 e 2017 trazer mais transparência ao Sisreg. Para fazer isso, o Ministério Público buscou o apoio do deputado estadual Antonio Aguiar (PSD). O político, que também é médico, já tinha em tramitação um projeto de lei que buscava dar mais transparência às filas. O MPSC, a partir daí, garantiu apoio ao deputado para que o projeto tramitasse o mais rápido possível pelas comissões.
– Como médico, via que as cirurgias pelo SUS eram todas direcionadas. Eram feitas quando o médico queria ou a mando de pessoas estranhas ao sistema – afirma Aguiar. – Por isso decidi fazer o projeto de lei.
Mais de que uma questão puramente organizacional, Aguiar aponta que a falta de transparência trazia desespero aos pacientes.
– O paciente que vê seu nome na internet tem aquela esperança de ser atendido. Dá vida ao paciente, dá motivação. Sem isso, ele se sente abandonado. Vendo o nome na internet, ele sabe que não vai ser passado para trás. E com essa transparência, o Ministério Público também pode fiscalizar com mais eficiência todo o sistema.
TRANSPARÊNCIA AUMENTA EFICIÊNCIA
O projeto de lei foi sancionado em 11 de janeiro de 2017 pelo então governador João Raimundo Colombo (PSD). O novo sistema entrou no ar em 24 de novembro do mesmo ano. Por natureza, o Sisreg não é transparente – só quem tem acesso aos números da fila são os gestores do sistema. Para contornar este problema, o MPSC elaborou um programa que puxa as informações do Sisreg e dá publicidade a elas nos sites dos municípios e do governo estado.
Também foi feita uma regulamentação na Secretaria estadual de Saúde de Santa Catarina, para definir como funcionaria a transparência e quais dados seriam expostos. Os nomes dos pacientes, por exemplo, não constam no sistema – a identificação se dá por meio do número do cartão do SUS.
Para fazer o sistema funcionar, o governo estadual reuniu todos os 295 secretários municipais de Saúde do estado, explicou o novo sistema e orientou sua adoção nas cidades. Atualmente, só 19 ainda não utilizam o Sisreg e seu respectivo módulo de transparência.
– Ainda estamos trabalhando muito com os municípios na capacitação do pessoal, dentro dos hospitais, ensinando como preencher o laudo de internação – conta o secretário estadual de Saúde de Santa Catarina, Acélio Casagrande.
De acordo com ele, a maior transparência dada aos procedimentos permitiu verificar e estancar algumas manobras usadas pelos fura-fila.
– Estava acontecendo, e a gente detectou, que o médico que não estava conseguindo fazer uma cirurgia pelo sistema, mandava o paciente entrar pelo pronto-socorro e por lá ele operava. Já fechamos esta torneira. Não se pode deixar que o paciente fure a fila.
O secretário aponta também que ter um entendimento geral do sistema permitiu uma melhor alocação dos recursos.
– Constatamos que muitas vezes temos um hospital de médio porte com 30% de ocupação enquanto um de grande porte está com 150%. A regulação está nos permitindo ajustar isso – conta ele. – Também nos permite elaborar políticas públicas como mutirões para procedimentos que estão com filas mais longas, como cirurgias de catarata.
A promotora Caroline afirma que o sistema tem tido adesão pela população. Desde novembro do ano passado, foram 506.900 acessos. Neste momento, está sendo feita a apresentação do sistema aos municípios, para que eles possam ter acesso aos relatórios semanais de como estão as filas de atendimento em suas cidades. O documento é elaborado pelo MPSC.
– Sempre que apresentamos essa ferramenta a secretários municipais eles ficam admirados com o número de pacientes na fila. Sempre falam que achavam que o número era bem menor.
Apesar do sistema já estar no ar há meses, a promotora afirma que ainda há muitos aprimoramentos necessários. A transparência na Saúde continua elencada como prioridade do MPSC para 2018 e 2019.
NO RIO, VEREADOR E MP QUEREM TRANSPARÊNCIA
Enquanto isso, no município do Rio, um paciente não sabe qual é seu lugar na fila. O máximo que ele saberá, usando um aplicativo do Ministério da Saúde, é se seu agendamento foi feito ou não. Na quarta-feira, o Ministério Público do Rio (MPRJ) enviou um termo de compromisso ao prefeito Marcelo Crivella sugerindo que ele adote medidas de transparência. Em comunicado, o MPRJ aponta que o termo é inspirado “na experiência de sucesso do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.”
Na Câmara de Vereadores, tramita desde abril deste ano um projeto de lei do vereador Paulo Pinheiro (PSOL). De acordo com o vereador, a intenção é que logo na volta do recesso, em agosto, o texto entre em regime de urgência na Casa.
– O Termo de Compromisso é importante, mas acreditamos que é vital ter uma lei aprovada pelo Legislativo, por ser mais permanente. Queremos que ela tramite em regime de urgência, e que sejam inseridas algumas emendas para tornar o projeto ainda melhor – afirma Pinheiro. – Acredito que o projeto será aprovado, e o vereador que quiser pode entrar de co-autor do projeto. Seria um grande sucesso se tivéssemos um projeto com 51 co-autores (a totalidade da Câmara).
Em nota a prefeitura informou que “a Secretaria Municipal de Saúde recebeu do Ministério Público as propostas de mudanças no Sisreg, que estão sendo analisadas pela equipe técnica. A SMS reforça que prima pela transparência dos processos e serviços.” Até o momento, porém, não informou quantas pessoas aguardam na fila de atendimento do Sisreg.
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