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Herança jesuítica na educação brasileira… E na minha

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Guilherme Dutra Antunes

Professor de Educação Física da Rede Municipal de São José-SC. Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

 

“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:

       os homens se libertam em comunhão”.

 (Paulo Freire – Pedagogia do Oprimido)

 

 

Para iniciar a temática, é importante realizar um breve relato de como surgiu a escola no Brasil. Com a chegada dos exploradores portugueses no ano de 1500 no país, foi necessária a vinda da Companhia de Jesus, fundada por “Santo Inácio de Loyola”, para catequisar os povos que aqui habitavam, estes chamados de índios. Esta catequização tinha como objetivo o ganho de mais adeptos a religião católica bem como “humanizar” os povos indígenas, considerados selvagens.

 

 

Os índios que aqui habitavam não eram considerados humanos por sua forma de se portar, de se vestir (ou não), comunicar, etc. Morin (2012), nos mostra que o olhar dos outros faz com que sejamos semelhantes ou dessemelhantes. Semelhantes por sermos todos seres humanos. Dessemelhantes por pensarmos diferentes, viver em culturas diferentes, realizar rituais diferentes, entre outros.

 

 

Assim, a Companhia de Jesus através dos Jesuítas, foi responsável por ensinar aos índios o idioma português através das leituras bíblicas provenientes da igreja católica, religião oficial da coroa portuguesa, para que se tornassem humanos. Desta forma, com a abertura das escolas, a Companhia de Jesus teve como função buscar almas para “comerciar” a salvação.

 

 

Com o passar dos anos, surgiram os Colégios, local onde a elite estudava (ainda sob o comando da ordem jesuíta) para que em seguida prosseguissem os seus estudos no continente europeu. Interessante salientar, que algumas situações se repetem nos dias de hoje, onde existia/existe uma diferença entre os termos colégio e escola.  O colégio, é um local destinado a elite e que geralmente é orientado por um doutrina, neste caso o doutrinamento católico. As escolas eram instituições laicas destinadas a grupos menos favorecidos, como por exemplo órfãos encaminhados pela coroa portuguesa ao Brasil, para povoá-lo.

 

 

Ainda hoje, percebemos na sociedade brasileira, a divisão dos termos “escolas” e “colégios”. O primeiro geralmente defende um ensino laico, com um certo grau de “liberdade” em sua proposta curricular. Diferente do segundo que geralmente está ligado ao um ideal religioso, militar ou como seguidores de algum tipo de metodologia norteadora. Percebe-se aqui, após mais de 500 anos, a herança organizacional jesuíta refletindo na educação do nosso país.

 

 

Os colégios eram instâncias administrativas dos religiosos que lecionavam (padres jesuítas) como também suas residências e missões. Eles tinham como objetivo instrumentalizar a obra da religião católica fazendo com que a sociedade permaneça na direção correta, segundo a coroa portuguesa, confirmando a necessidade do letramento de suas práticas e crenças.

 

 

Estes, também eram locais de formação da moral e dos bons costumes. sendo esses os comportamentos que traduzem a compreensão do que agradava a Deus, reflexo da ação educativa por parte dos jesuítas.

 

 

Podemos assim traçar um paralelo com a atual realidade que vivemos socialmente em nosso país, onde com as últimas eleições, políticos foram eleitos sob o mesmo discurso, e talvez, com o mesmo interesse de alienar e “explorar” a sociedade de uma maneira geral.

 

 

Além de atrair mais pessoas a prática do catolicismo na Europa e nas colônias, o objetivo dos colégios também foram “educar os homens” para a religião católica. Isso se deve ao fato dos movimentos reformadores da religião, que estavam surgindo no continente europeu e refletindo nas colônias, e que seus grupos vinham influenciando a educação brasileira e com isso a religião católica poderia perder, e de fato perdeu, fiéis.

 

 

Levando em consideração a minha experiência de aluno de uma instituição escolar, de caráter religioso, o antigo Colégio Coração de Jesus, situado na cidade de Florianópolis – SC, do qual pertencia a Irmandade da Divina Providência, foi perceptível a herança jesuíta no seu dia-a-dia escolar, mesmo não sendo desta ordem. Orações diárias; educação religiosa (sempre voltada ao catolicismo); participação em eventos; missas e etc; eram situações que deveríamos frequentar enquanto alunos. Assim como encontros de formação católica que perdurava um dia inteiro.

 

 

Sempre me chamou a atenção o fato de que muitos pais procuravam o colégio pela sua dita “excelência” do ensino, que de fato era muito bom, e não pela educação religiosa. Assim como alunos de outras religiões que lá estudavam e tinham que participar do cotidiano educacional religioso pregado pelo colégio.

 

 

Pensando na minha área de atuação (professor de Educação Física escolar), lidamos com a cultura corporal de movimento a todo o momento em nossas aulas. Ou seja, o estudo e possibilidades de se utilizar o corpo humano para atuar ou modificar uma cultura que está ou esteve inserido. Porém os jesuítas pregavam a negação do corpo humano enquanto matéria, pois os corpos “físicos” eram apenas objetos de castigos, punições e impureza. Neste sentido apenas o corpo espiritual se fazia necessário para a formação educacional e espiritual dos sujeitos.

 

 

Trazendo novamente para os dias atuais, é possível perceber esta herança jesuíta na forma como as instituições escolares lidam com o corpo dos alunos. Regras na forma de se vestir, com o corpo dos meninos e meninas fiquem em menos evidencia possível, utilizando os uniformes escolares também com este objetivo, além de uniformizar os alunos, tornando-os “iguais” e excluindo as diferenças. Formas de se portar perante as pessoas e escolas/colégio de uma maneira geral também deve ser lembrada.

 

 

Essa hierarquização presente nas escolas ainda nos dias de hoje, reflexo da herança jesuítica, nos faz pensar em Paulo Freire em sua Pedagogia do Oprimido (2011), no que ele chama de “educação bancária”, onde os detentores do saber (professores) “depositam” conhecimentos aos alunos, em uma relação de hierarquia, conferindo o aprendizado através da realização de avaliações, apurando o quanto de conteúdo foi decorado e assimilado, não levando em consideração as reflexões sobre a temática bem como o contexto e a realidade da comunidade escolar. De outro lado, temos o que Paulo Freire chama de educação libertadora e dialógica, em que a relação professor aluno é horizontal, sendo necessária a participação comunitária durante este processo.

 

 

Pensando o corpo como objeto de estudo da Educação Física e negado pelos jesuítas, teríamos dois objetos diferentes, espiritual de um lado e o corporal ou físico de outro. O primeiro buscaria apenas o lado intelectual e religioso (catolicismo) na educação dos sujeitos. Já o segundo buscaria uma educação integral pautada nos conhecimentos intelectuais, culturais e físicos do mesmo.

 

 

A discussão de corpo, mesmo na Educação Física como conteúdo programático, gerou muita polêmica, ao mesmo tempo que muitas teorias e concepções.

 

 

Colocando como desafio de fazer uma leitura adequada do que Foucault (1995) chama de “política do corpo”, ou como ele aparece no sentido cultural, de maneira mais ampla, com suas relações históricas e sociais que lhe formou assim como o papel da instituição educacional neste processo de formação.

 

 

Embora atualmente, como professores de Educação Física, estejamos voltados a cultura corporal de movimento como teoria norteadora do conhecimento, se faz importante conhecermos a história do corpo para compreendermos todas as suas modificações neste processo.

 

 

Nas últimas décadas ocorreu uma (re)descoberta do corpo em suas perspectivas e possibilidades, sendo ele objeto de aprendizagem na história, filosofia, antropologia, psicologia e etc. Toda esta interdisciplinaridade se fez necessária pois dentro da cultura ocidental, este corpo vem se vinculando em diversos status sociais do qual ele se insere.

 

 

Para encerrar, mas sem esgotar os questionamentos relacionados a temática, é possível perceber a influência dos jesuítas na forma de organizar o cotidiano e ambiente escolar. Como a divisão do conhecimento em disciplinas e organização da sala de aula, com o quadro negro a frente, professor como interlocutor e detentor do conhecimento e alunos sentados enfileirados em carteiras tentando absorver todas as informações transmitidas. Mesmo que seja possível encontrar novas formas de se pensar a escola nos dias de hoje bem como de organizar o seu dia-a-dia, ainda continuamos estruturalmente aplicando os métodos jesuítas em nossas unidades. Por que será que é tão difícil modificar o cotidiano escolar e a educação tradicional?

 

 

Sendo assim, podemos encarar o atual sistema de ensino no Brasil a partir do que Morin (2015) chama de paradigma simplificador. Onde

 

 

[…] o paradigma simplificador é um paradigma que põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A ordem se reduz a uma lei, um princípio. A simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. O princípio da simplicidade separa o que está ligado (disjunção), ou unifica o que é diverso (redução). (MORIN, 2015, P.59).

 

 

 

Desta forma, tomando como exemplo o corpo, ele é um objeto biológico, ao mesmo tempo que cultural e intelectual. Assim, o paradigma simplificador, que aqui caracteriza o método jesuíta, faz com que este corpo seja sempre fragmentado, não sendo possível estuda-lo enquanto uma unidade. “Esquecendo que um não existe sem a outra, ainda mais que um é a outra ao mesmo tempo, embora sejam tratados por termos e conceitos diferentes” (MORIN, 2015).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 5a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

MORIN, E. O Método 5: A humanidade da humanidade; tradução: Juremir Machado da Silva. 5 ed. Porto Alegre: Sulina: 2012.

            . Introdução ao pensamento complexo; tradução: Eliane Lisboa. 5.ed. Porto Alegre: Sulina 2015.

SANTIN, S. Educação física: Da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto Alegre: Edições EST/Esef, 1994.

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