Dando continuidade à divulgação de entrevistas dos veteranos do 3º Batalhão de Polícia Militar (3ºBPM), o segundo entrevistado foi o cabo da reserva remunerada, Júlio Gritz. O seu ingresso na Polícia Militar ocorreu no ano de 1962 e ele lembra com detalhes as etapas que percorreu para se tornar policial militar.
No início daquele ano, Júlio trabalhava no distrito de Paula Pereira como empregado de João Ribeiro de Lara. Realizava serviços típicos do quotidiano do interior, a exemplo do cuidado de animais e da lavoura. Seu patrão, poucos anos depois, se tornaria seu sogro, mas, naquele tempo, ainda não namorava Ana, sua esposa.
No início do mês de junho, seu patrão o chamou e informou que não havia mais trabalho. Amenizou a notícia, informando que ouvira anúncio na rádio, noticiando que o batalhão estava incluindo novos policiais. “Eu lembro que isso ocorreu em um sábado. Eu disse, inicialmente, que não tinha interesse, mas, na segunda-feira, resolvi ir até o quartel para pegar informações”.
Naquele período, o transporte utilizado por Júlio para deslocar de Paula Pereira para o Centro de Canoinhas era o trem. “Eu peguei o trem na estação de Paula Pereira e fui até a estação de Canoinhas que ficava onde hoje é a prefeitura”. Recorda-se que, ao chegar à estação, encontrou dois policiais militares, entre os quais Aldo Ferreira, que era conhecido seu. Este policial o orientou a dirigir-se até o quartel e conversar com o tenente Sestílio Angelo Franzosi.
Ao chegar ao quartel, indicaram a residência do tenente Sestílio, que residia em frente ao batalhão. “Eu lembro que quando cheguei à residência do tenente, ele estava plantando cebolinha verde no quintal. Ele foi muito atencioso comigo e escreveu uma lista dos documentos que deveriam ser apresentados”. Os documentos eram: certidão de antecedentes criminais, a ser retirada na delegacia de polícia, e comprovante de escolaridade. À época, era exigida a 4ª série.
Ainda no mesmo dia, conseguiu a certidão na delegacia. Para o comprovante escolar, havia a necessidade de ir até a localidade de Taunay. “Não tinha mais o trem de retorno no mesmo dia. Eu fui até Taunay e depois até Paula Pereira caminhando”. Em Taunay, conversou com a professora e explicou que seus estudos haviam sido realizados na localidade de Porto Ribeiro (interior do município de São Mateus do Sul/PR), mas que não conseguiria ir até lá. “A professora então disse que não seria necessário ir até Porto Ribeiro e me forneceu o documento atestando minha escolaridade”.
Depois de retornar a Paula Pereira, pernoitou na casa de seu patrão e, no dia seguinte, apanhou novamente o trem para o Centro de Canoinhas, apresentando a documentação no quartel. Dois dias depois, no dia 07/06/1962, já estava incluído na Polícia Militar, aguardando o curso de formação. Júlio, assim como outros colegas, realizava serviços gerais no batalhão, enquanto aguardava o início do curso de formação.
O curso de formação teve início ainda em 1962 e se encerrou em abril de 1963. Um de seus colegas de turma é o cabo Antônio Rodrigues, mais conhecido como “Tatu”. “Após o curso, eu fui transferido para Florianópolis, onde servi na Companhia de Policiamento Urbano (CPU). Essa companhia era sediada junto ao quartel do Comando-Geral. Minha função, basicamente, era cuidar do trânsito e dos cinemas”.
No ano de 1964, ele foi procurado por um colega que trabalhava em Porto União, mas queria transferência para Florianópolis. O policial informou que precisava atender sua mãe e ajudá-la e indagou Júlio se aceitaria a troca. “Eu estava bem em Florianópolis e não tinha intenção de ser transferido, mas disse ao policial que se ele providenciasse o contato com o sargenteante e com o comandante da companhia, aceitaria trocar”.
Esse policial falou com o comandante da CPU, pedindo deferimento para a troca. Inicialmente, o pedido foi verbalmente indeferido. “Então o policial levou sua mãe, que tinha deficiência em um braço e a apresentou ao comandante da CPU, daí o pedido foi deferido”. Após os trâmites burocráticos, Julio deslocou para Porto União. Lembra de detalhes da viagem.
Inicialmente, contou que viajou fardado, pois essa era uma exigência até mesmo para os períodos de folga. Para usar trajes civis era necessário possuir uma carteirinha com autorização expressa do comandante. “Naquele tempo, o ônibus primeiro ia a Curitiba, onde era necessário desembarcar e apanhar outro ônibus para União da Vitória/Porto União”.
Um fato curioso ocorreu, quando Júlio chegou à rodoviária de União da Vitória. Por não conhecer o lugar, disse que não sabia chegar a Porto União. “Daí me disseram que era só cruzar a porta da rodoviária para estar em Porto União, pois a rodoviária das duas cidades era de parede e meia”. Ainda não havia táxi em Porto União. Um homem se ofereceu para levá-lo até a Companhia de Polícia Militar, o que fez utilizando uma charrete. “Esse era o táxi daquela época”, destaca sorrindo.
Em 1964, a Companhia de Polícia Militar de Porto União ficava no bairro Santa Rosa. “Quando cheguei à companhia, encontrei um conhecido meu de Canoinhas que também tinha ingressado na polícia”. Esse conhecido informou que, naquela mesma semana, 8 (oito) policiais seriam transferidos de Porto União para Dionísio Cerqueira, “ele disse que achava que eu era um deles”.
No dia seguinte, Júlio foi recepcionado pelo comandante da companhia, que na ocasião era o então tenente Eny Tomazelli. “O tenente me disse que eu iria para Dionísio Cerqueira e eu disse que iria, pois ao ingressar na PM, havia aprendido que o policial militar é superior ao tempo, ao frio, e deve ir para onde for determinado. Eu acho que o tenente gostou da atitude e disse que eu ficaria em Porto União”. O tenente Tomazelli, anos mais tarde, já no posto de capitão, tornou-se juiz de direito, deixando a Corporação.
No ano de 1965, Júlio foi destacado para servir em Valões — antigo nome do atual município de Irineópolis/SC. Servir destacado significava trabalhar fora da sede, em destacamentos, os quais existiam tanto em municípios menores quanto nos distritos. “Cada distrito de Canoinhas tinha um policial destacado, a exemplo de Felipe Schmidt e Paula Pereira”.
No ano de 1967, Júlio retornou a Porto União por um curto período de tempo, pois no mesmo ano retornaria a Irineópolis para, em seguida, ser transferido para a Sede do 3ºBPM, em Canoinhas. “Quando voltei ao batalhão, minhas funções eram muito parecidas às que tinha realizado em Florianópolis. Fazia o policiamento na rodoviária, na matinê e no cinema. Em 1967, a rodoviária ficava na rua Vidal Ramos, onde hoje há o Bar do Mauro, nas proximidades com a rua Eugênio de Souza. O cinema ficava na rua Coronel Albuquerque, em frente à antiga loja Pernambucanas, onde, atualmente, existe o clube “Cine Danceteria”.
Em 1968, devido à sua experiência em servir destacado, recebeu o seguinte convite do sargenteante: “Júlio, eu tenho dois excelentes destacamentos para você: Felipe Schmidt ou Paula Pereira”. Este último era o local de residência da família de sua esposa (a essa altura, seu ex-patrão já havia se tornado sogro), desse modo, aceitou o convite e passou a servir destacado em Paula Pereira, onde ficou até 1971. “Lá, basicamente, eu cuidava da estação ferroviária nos horários dos trens. Lembro que uma vez uma moça foi adentrar ao vagão e seu vestido enroscou, vindo o trem a puxá-la para os trilhos e a amputar sua perna. Eu ajudei a socorrê-la. Ela conseguiu sobreviver”.
No ano de 1971, Júlio retornou à Sede do 3ºBPM, trabalhando por um curto período de tempo em funções diversas, a exemplo da guarda do quartel, sendo então destacado para trabalhar em Itaiópolis. Ficou neste município até o ano de 1982. Em Itaiópolis trabalhou com vários outros colegas, entre os quais o veterano Antônio Viliczinski, cuja entrevista, em breve, também será publicada.
Nesse período, atendeu ocorrências complexas. “Uma vez, nós estávamos em três policiais cuidando de um baile. Havia um homem embriagado que insistia em dançar com algumas mulheres. Elas pediram para que ele fosse retirado. Assim que houve sua retirada, alguém chegou atrás de mim e encostou o revólver atrás da minha orelha, eu disse ‘abaixe o teu revólver que eu não puxo o meu’. Quando ele abaixou, eu saquei o revólver e já havia acontecido uma grande confusão. Durante a briga, esfaquearam um dos policiais que estavam comigo. Graças a Deus ele sobreviveu”.
Ainda no período de Itaiópolis, trabalhou com o soldado Miguel Morvan. Possui uma foto na companhia de Morvan nos fundos da antiga delegacia, onde também ficava o destacamento policial. Um fato curioso remonta ao ano aproximado de 1975: havia dois animais silvestres nos fundos da delegacia. Um veado e um gato do mato. Os animais haviam sido domesticados e eram de estimação do sargento comandante do destacamento.
No ano de 1982, retornou à Sede do 3ºBPM. Entre 1982 e 1984, trabalhou na delegacia, onde atualmente fica a sede da Polícia Científica de Canoinhas. No período, havia uma equipe de policiais militares que auxiliavam na guarda do prédio e dos presos. No ano de 1984, passou a exercer suas funções na enfermaria do batalhão, da qual também faziam parte o Tenente Médico Ademir e o Tenente Dentista André. Foi exercendo essa função que ingressou na reserva remunerada, no ano de 1990.
O Cabo Júlio mantém intacto o carinho e o respeito pela Instituição, da qual fala com alegria e orgulho, consequência de quem dedicou uma vida inteira pela Corporação e manteve uma trajetória militar exemplar. Desde sua reserva, participa assiduamente dos encontros dos veteranos e mantém zelosamente as lembranças de sua profissão, em especial, as fotografias e as honrarias recebidas.
Por: capitão Diego Gudas