“Mas a cegueira não é assim, disse o outro, a cegueira dizem que é negra,
Pois eu vejo tudo branco…” (Ensaio sobre a cegueira – José Saramago, p.13)
Tal como na obra do escritor português José Saramago, publicada no Brasil em fins do século XX pela editora Companhia das Letras, o momento atual se apresenta em diferentes faces e formas de ver (ou não) as dimensões da crise sanitária, política e econômica na qual nos encontramos inseridos. Tal condição, gera outras crises que nos fazem questionar o modo de vida mercadológico e, consequentemente, destrutivo da natureza, do mundo, da vida e das relações humanas que antecede a pandemia do coronavírus, bem como, requer pensar, questionar e agir na perspectiva de construirmos outras formas de relações com a natureza, com o mundo e com nós mesmos no pós-pandemia.
Saramago incomodamente nos chama atenção para o fato de que a visão não se dá meramente pelos olhos e, ao afirmar as responsabilidades em tê-los, quando outros a perderam, requer que se reconheça que um momento de cegueira pode representar uma oportunidade de construir novas formas de ver, sentir e estar no mundo. Para onde estava voltado nosso olhar diante das extremas desigualdades sociais antes e mesmo durante a pandemia? Onde estávamos quando medidas governistas retiravam recursos da saúde, da educação, da segurança pública? Como nos posicionávamos diante da violência entranhada na gênese, na constituição do Brasil? Estávamos (estamos) cegos? Por que razão os discursos são de busca pela paz enquanto se ensina a competição (semente de toda guerra), o consumo e acumulação de capital de forma desenfreada?
O coletivo “Cegueira e solidariedade” nasceu diante da necessidade de afastamento social imposta pela pandemia do coronavírus – covid-19. Tratava-se de reunir os amigos na Ágora (praça) pública, mesmo que no formato virtual para a troca de ideias, de reflexões e de debates sobre aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais advindos com a pandemia.
Nesta direção, o nome do coletivo “Cegueira e Solidariedade” é uma alusão ao drama humano ético e político narrado pelo escritor português José Saramago na obra: Ensaio sobre a cegueira, publicada em 1995, bem como o termo solidariedade refere-se a própria condição humana, que em sua contigencialidade requer a constante presença do outro para afirmar a própria humanidade e, desta forma permitir que o mundo possa se constituir por meio da ação humana, da ação política em lugar de acolhida da plenitude da vida em sua diversidade e multiplicidade.
Portanto, o objetivo do coletivo “Cegueira e Solidariedade” apresenta-se com o intuito de exercitar a potência do pensamento em torno dos desafios que a pandemia e, sobretudo a pós-pandemia apresenta ou pode apresentar à organização das sociedades contemporâneas caracterizadas pela dinâmica de plenos produtores e plenos consumidores, submetidos ininterrupta da lógica do crédito e do débito e da financeirização da vida em todas as suas dimensões em que nos encontramos inseridos. Mas, também se trata, sobretudo, de se questionar sobre as condições de possibilidades de pensar e agir no tempo que resta sobre a vida que vem, sobre a política que vem, sobre a economia que vem, sobre o mundo que vem….
Além desta coluna em que membros do coletivo publicam suas reflexões sobre diversos aspectos da pandemia, o grupo publica vídeos na plataforma You Tube com contribuições analíticas sobre o contexto pandêmico em curso. Você pode acessar os vídeos pelo link: https://www.youtube.com/channel/UChC9JMN9ScZeduJAwhVK-JA
Sandro Luiz Bazzanella, Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC). Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq/UNC.
Reginaldo Antonio Marques dos Santos, Professor de Sociologia da Secretaria de Estado de Educação de Santa Catarina (SED). Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq/UNC.