Nas últimas três décadas, principalmente, têm ocorrido crescentes movimentos políticos, sociais e econômicos, na perspectiva de tentar encontrar soluções, normalmente técnicas, para combater as mudanças climáticas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Nesse contexto, o mercado de carbono é apresentado como uma das ferramentas para incentivar a redução dessas emissões e promover a transição para uma economia mais sustentável.
Os gases de efeito estufa são substâncias presentes naturalmente na atmosfera terrestre que absorvem e reemitem calor, contribuindo para o aquecimento global. Como exemplo, podemos relacioná-los ao ambiente de uma estufa de plantas, que objetiva acumular e conter o calor no seu interior, mantendo, assim, uma temperatura maior em seu interior se comparada a da parte externa.
Os principais gases do efeito estufa são: o dióxido de carbono (CO2), mais comumente encontrado e produzido através da queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural; o metano (CH4), encontrado e produzido na agricultura e pecuária, como na produção de arroz, fermentação entérica de animais ruminantes (como vacas e ovelhas) e na decomposição de resíduos orgânicos; o óxido nitroso (N2O), também mais comumente produzido e encontrado na agricultura, por meio do uso de fertilizantes nitrogenados e queima de resíduos agrícolas, e na indústria, através de processos de produção química, metalúrgica e de ácido nítrico; e, por fim, o vapor d’água, a evaporação natural de água dos oceanos.
O efeito estufa, portanto, é um fenômeno natural e fundamental para manter a temperatura da Terra adequada para a vida. Ele ocorre quando esses gases absorvem parte da radiação solar refletida pela superfície terrestre, retendo o calor na atmosfera e impedindo que ele se dissipe para o espaço.
As atividades humanas, contudo, como a queima excessiva de combustíveis fósseis, o desmatamento e queimadas, a intensa produção de lixo e o uso indiscriminado de fertilizantes, agroquímicos e outros, têm elevado a concentração desses gases na atmosfera, os quais causam sobrecarga no efeito estufa, intensificando o aquecimento global de forma não natural e prejudicial a todos os seres vivos. No caso, ao invés de criar um ambiente equilibrado, semelhante a uma estufa – agradável –, estamos transformando nosso Planeta em uma sauna sufocante.
Mas, afinal, por que mercado de carbono? Em termos simples, o mercado de carbono é assim denominado devido ao Dióxido de Carbono (CO2), o principal agente nocivo do efeito estufa, que é liberado, quase que exclusivamente e em grande quantidade, pelas atividades humanas. Deste modo, o “mercado de carbono” funciona como um sistema de troca de créditos de carbono, onde empresas e países podem comprar e vender permissões para emitir na atmosfera determinada quantidade de gases de efeito estufa. Essas permissões são conhecidas como “créditos de carbono”, e representam a quantidade de dióxido de carbono (CO2) ou outros gases equivalentes que uma empresa ou país pode emitir.
Imagine uma empresa que emite grande quantidade de CO2 devido às suas atividades industriais. Para reduzir suas emissões, ela decide investir em tecnologias mais limpas e sustentáveis. Como resultado, a empresa consegue reduzir suas emissões para um patamar inferior ao limite estabelecido pelas regulamentações ambientais. Com isso, ela passa a ter créditos de carbono sobrando, que podem ser vendidos no mercado de carbono para outras empresas que não conseguiram reduzir suficientemente suas emissões e precisam comprar créditos extras para cumprir com suas metas ambientais, gerando, dessa forma, um sistema de compensação.
O mercado de carbono originou-se com a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, na ECO-92, no Rio de Janeiro. Em 1997, durante uma reunião realizada em Quioto, Japão, foi estabelecido o “Protocolo de Quioto”, que impôs compromissos rigorosos aos países signatários para a redução das emissões de gases do efeito estufa. Para entrar em vigor, o protocolo exigia o compromisso por países representando 55% das emissões globais de gases estufa.
O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do Planeta, com aproximadamente dois bilhões de toneladas de gás carbônico por ano. Nesta direção, o Projeto de Lei (PL) Nº 2.148/2015 “Mercado de Carbono”, de autoria do deputado paranaense Aliel Machado, foi apresentado na Câmara dos Deputados, e tem o objetivo de criar incentivos para frear as emissões e os impactos climáticos das empresas.
O referido Projeto elenca uma série de ações que podem gerar créditos de carbono, entre elas a recomposição, manutenção e conservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal (RL) ou de uso restrito e de Unidades de Conservação; criação de Unidades de Conservação Integral ou de uso sustentável com Plano de Manejo; e projetos de assentamentos da reforma agrária.
Mas, e quem será regulado? O PL elenca atividades que emitem acima de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano, e empresas com emissões entre 10 mil tCO2e e 25 mil tCO2e devem submeter ao órgão gestor responsável um plano de monitoramento das emissões, enviando um relato anual de emissões e remoções de gases, e atender a outras obrigações previstas em decreto ou ato específico do órgão gestor.
Atividades com emissões acima de 25 mil tCO2e por ano têm a obrigação extra de enviar anualmente ao órgão gestor um relato de conciliação periódica de obrigações. Os patamares de emissão podem ser aumentados com o tempo, levando-se em consideração o custo-efetividade da regulação e o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil.
A Câmara dos Deputados aprovou a proposta que regulamenta o mercado de carbono no Brasil (PL 2148/15) em dezembro de 2023. O projeto retornou ao Senado para análise das mudanças feitas pelos deputados e está em tramitação.
Neste sentido, a implementação de um mercado de carbono pode trazer benefícios para o meio ambiente e a economia. Ao criar incentivos financeiros para a redução de emissões, estimula-se a inovação e o desenvolvimento de tecnologias mais limpas, além de ajudar a financiar projetos de conservação ambiental e reflorestamento. Além disso, o Estado, ao limitar a quantidade de créditos de carbono disponíveis, contribui para a redução global das emissões de gases de efeito estufa e no combate às mudanças climáticas.
O mercado de carbono pode representar uma importante ferramenta na luta contra as mudanças climáticas, oferecendo uma abordagem baseada no “onde dói” para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Com o apoio de políticas públicas adequadas e uma regulamentação eficaz, poderá ser possível desempenhar papel fundamental na transição para uma economia mais sustentável e na proteção do meio ambiente.
No entanto, questiona-se: Será que o mercado de carbono não será mais uma das formas de precificar, comercializar ou mercantilizar a natureza?
Essa preocupação emerge em razão de que, ao transformar a redução das emissões de carbono em créditos que podem ser comprados e vendidos, o mercado de carbono introduz a lógica da racionalidade econômica no gerenciamento ambiental. Em outras palavras, as empresas podem adquirir créditos de carbono para compensar suas próprias emissões, muitas vezes, ao invés de reduzir efetivamente a poluição em suas operações. Isso acaba produzindo mais um questionamento: Será que o mercado de carbono está realmente incentivando mudanças estruturais e sustentáveis nas práticas industriais ou está permitindo que as empresas continuem a poluir, desde que possam pagar por isso?
Além disso, há o risco de que a mercantilização do carbono possa marginalizar ainda mais as comunidades que dependem diretamente dos recursos naturais para sua sobrevivência. Projetos de compensação de carbono, como o reflorestamento ou a conservação de florestas, podem deslocar comunidades locais, restringindo o seu acesso a terras e recursos que são vitais para suas vidas e culturas. Dessa forma, a tentativa de proteger o meio ambiente através do mercado de carbono pode, inadvertidamente, potencializar ou ampliar as relações de exploração e de injustiça social.
Outra crítica frequente é que a criação de um mercado de carbono pode desviar a atenção das soluções mais abrangentes e sistêmicas necessárias para combater as mudanças climáticas. Em vez de investir em tecnologias limpas, energias renováveis e infraestrutura sustentável, a compra de créditos de carbono pode ser vista como uma parte da racionalidade econômica que propõe solução técnica, de maneira rápida e temporária, sem que sejam abordadas as origens ou as causas das emissões de gases de efeito estufa.
Deste modo, enquanto o mercado de carbono tem o potencial de ser uma ferramenta útil na luta contra as mudanças climáticas, é essencial questionar e monitorar como ele está sendo implementado. Devemos garantir que ele não se torne mais uma das maneiras de precificar, comercializar ou mercantilizar a natureza, mas, sim, uma das estratégias que possam promover a sustentabilidade e a justiça ambiental.
Autores:
Manuela Pozza Ellwanger – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC). E-mail: [email protected]
Jairo Marchesan – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) e do Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental (PMPECSA) da Universidade do Contestado (UNC). E-mail: [email protected]