A vida humana pode ser compreendida a partir do contexto das relações que as pessoas estabelecem entre si e com os outros, em especial com o sistema familiar no início do desenvolvimento humano e posteriormente no sistema social com o convívio em sociedade.
Dessa forma, o desenvolvimento humano saudável se dá por meio da qualidade das relações que estabelecemos ao longo da vida com as pessoas tanto em uma perspectiva familiar quanto social.
Em relação a família na abordagem sistêmica, devemos ter em conta que nas últimas décadas o conceito de família adquiriu um âmbito muito mais vasto, devido às novas configurações familiares, as quais têm permitido novas concepções de família e da organização da vida dos seus membros, sendo então necessária a valorização dessas novas formas de arranjos familiares (DIAS, 2011).
Segundo Otto et al (2020 apud Nichols & Schwartz, 2007), a família, em um olhar sistêmico, forma um sistema vivo, no qual os seus membros funcionam como um conjunto coeso, inseparável e interdependente. Ou seja, não existem relações unilaterais entre os seus componentes; uma mudança em um dos membros, provocará mudanças nos outros e, consequentemente, no sistema como um todo. Por conseguinte, um problema não é apenas de um, mas de todo o sistema familiar. O surgimento de um agravo é apenas um sintoma que denuncia a necessidade de mudança na forma como o sistema está interagindo.
O sistema familiar, ainda, segundo Otto et al (2020), envolve três sistemas de funcionamento que se inter-relacionam: o emocional, o afetivo e o cognitivo ou intelectual, segundo a visão boweniana[1].
Assim, as relações exigem autocuidado e cuidado mútuo para o desenvolvimento emocional saudável. Este cuidado envolve ver as fragilidades que também estão presentes no sistema. E para que o sistema funcione de forma mais saudável é importante o investimento no diálogo, pois não existe relações sem diálogo, sem reajustes e sem disponibilidade.
Além do diálogo é importante reconhecer o que de bom há nas relações estabelecidas tanto na perspectiva familiar quanto social, visto que o sistema familiar se torna um caminho inicial para que o ser humano venha mais tarde a participar de sistemas maiores: a sociedade.
Como podemos ter mais presentes o lado bom das relações familiares e sociais sem supervalorizar as fragilidades? Um exercício simples e eficiente é o diário da gratidão. Neste diário registramos uma reflexão em relação às pessoas e acontecimentos pelas quais somos gratos: pode ser algo como ter almoçado com os pais/filhos ou ter recebido um carinho de alguém. O registro pode ser sobre algo simples, mas escrito em detalhes. Ao realizar esses registros por pelo menos vinte e um dias, passamos a reconhecer mais o lado bom das coisas.
Trabalhando um pouco mais a gratidão, outra sugestão é escrever uma carta de agradecimento para um familiar ou outra pessoa significativa, refletindo em como esta pessoa é importante, como ela nos ajudou, quais situações marcantes foram vivenciadas junto com essa pessoa e como o contato com a mesma mudou a nossa vida e a fez ficar melhor.
Depois de escrever a carta, podemos encontrar a pessoa e ler a carta para ela, ou ler a carta fazendo uma ligação telefônica, podemos também enviar uma mensagem de áudio ou um texto com o conteúdo da carta. Ao fazer estes exercícios, é importante analisar como nos sentimos e quanto tempo dura essa sensação.
Ao procurarmos estabelecer relacionamentos saudáveis com os membros dos sistemas as quais estamos inseridos, sendo estes familiares ou sociais, promovemos o bem-estar de todos, pois o sistema funcionará de forma a facilitar a promoção da saúde emocional de seus membros, onde, conforme Féres-Carneiro (2016), as regras se apresentarão de forma explícita, coerentes, flexíveis e democráticas; os papéis e as lideranças presentes e definidos, os conflitos expressos, sem desvalorização e com busca de solução; a agressividade manifestada de forma construtiva e sem discriminação em sua direcionalidade; e a afeição física demonstrada com carga emocional adequada.
Vale ressaltar que o exercício da gratidão além de ser benéfico para a qualidade das relações, é infinitas vezes melhor para quem pratica, pois segundo o Centro de Pesquisa da Universidade da Califórnia (UCLA), ser grato regularmente provoca uma mudança na estrutura molecular do cérebro, tornando as pessoas mais felizes e saudáveis. A felicidade afeta diretamente o Sistema Nervoso Autônomo Central, gerando calma, deixando as pessoas menos reativas e menos resistente às mudanças.
Com enfoque na neurociência o sentimento de gratidão ativa principalmente o sistema de recompensa do cérebro denominada de Nucleo Accumbens, que aciona uma substância chamada dopamina. A dopamina é responsável por transmitir as mensagens entre os neurônios, que é o neurotransmissor da motivação e do prazer, entre outros.
Com isso, podemos considerar que, a vida numa perspectiva familiar e social é promotora de um desenvolvimento saudável, mediante a qualidade da interação entre os membros destes sistemas como facilitadora da saúde emocional. Sendo assim, que tal começarmos a praticar a gratidão e, com isso melhorar a qualidade das nossas interações interpessoais?
Referências:
DIAS, Maria Olívia. Um olhar sobre a família na perspectiva sistêmica: O processo de comunicação no sistema familiar. Gestão e Desenvolvimento, 19 (2011), 139-156. Disponível em: < https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/9176> Acesso em: 08 nov. 2021
FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. Entrevista Familiar Estruturada – EFE: Um Método de Avaliação das Relações Familiares. São Paulo. Casa do Psicólogo, 2016
OTTO, Ana Flávia Nascimento; RIBEIRO, Maria Alexina. Contribuições de Murray Bowen à Terapia Familiar Sistêmica. Pensando Famílias, 24(1), jul. 2020, (79-95). Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000100007> Acesso em: 10 nov. 2021
Autora:
Príncela Santana da Cruz. Professora e Psicóloga Clínica E-mail: [email protected]
Jaquelini Conceição. Coordenadora do curso de Psicologia da Universidade do Contestado – UnC. Campus Canoinhas. E-mail: [email protected]
[1] Murray Bowen (1913-1990) – um dos pioneiros da psicologia sistêmica.