Por:
Reginaldo Antonio Marques dos Santos[1]
Cristiélen dos Santos[2]
[1] Professor de Sociologia SED/SC e SEED/PR. Membro do Grupo de Estudos “Educação em Debate”.
[2] Professora de Sociologia – Especialista em Educação e Diversidade. Membra do Grupo de Estudos “Educação em Debate”.
Como excluir a educação da dinâmica da produção, consumo e alienação? Como educar para a paz diante de um modelo educacional que tem como base a competição – semente de todas as guerras? As crianças e jovens possuem a vida pré-estabelecida, muitas vezes em projetos que elas nem sonham, mas que caminham na direção de formar, construir, adquirir bens diversos e constituir (quem sabe) família nos moldes tradicionais. A vida está marcada por processos competitivos em que os mais fortes sobrevivem. E, quem quiser ser “bem sucedido”, precisa fazer parte do processo, afinal, até sua humanização depende dele.
O movimento de inserção na educação básica que promove a inclusão do sujeito dentro da normalidade, dos padrões aceitos e tidos como moralmente corretos e determinantes de uma vida digna, é o mesmo que anula a subjetividade do sujeito. E nessa questão paradoxal, o corpo discente é valorizado pelo quão disciplinado se manifesta, não em função daquilo que almeja como indivíduo, mas enquanto aquele indivíduo que atenda as expectativas do mercado de trabalho do amanhã.
Nesse sentido, a escola pública precisa oferecer um formato de ensino que atenda os interesses das elites e ao mesmo tempo, que tenha a aparência de emancipação para as classes mais baixas. Não por acaso, o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997) destacou que “a crise da educação brasileira não é uma crise; é um projeto”. Neste contexto, se inserem como prerrogativas desse desmonte, professores (as) que desistem de lutar contra todas as formas de desrespeito a eles (as) impostas, crianças que são obrigadas a irem para a escola para evitar perder auxílios indispensáveis para o sustento de sua família, condições de infraestrutura inadequadas, dentre outras.
A educação formal nesse percalço é desmotivadora, e por ser obrigatória se torna um fardo a ser carregado para que benefícios imediatos de direitos básicos inerentes ao ser humano sejam de proveito para os mais afetados na estrutura da desigualdade social, e vantagens alienantes sejam reforçadas ao grupo restrito da elite que detém o poder político e econômico. Problemas que surgem em contextos de profissionais desvalorizados, e assim, educadores não capacitados adequadamente refletem um ensino conteudista descontextualizado que não permite ao aluno sua identificação como protagonista de sua própria história e seu meio, em sua condição cultural e social.
Cabe aqui a importância de Paulo Freire com seu aporte teórico que trata da Pedagogia da Autonomia (2010), onde a educação em seu processo de ensino e aprendizagem se constrói a partir da troca de saberes entre professor e aluno, permitindo ao aluno a autonomia de contribuir a partir de suas vivências, sem que isso anule sua história e seu conhecimento adquirido. Para Freire, o professor deve atentar-se em sua metodologia para que estabeleça de forma exponencial uma relação entre o currículo fundamental aos alunos e a experiência social que eles possuem como indivíduos. Essa apropriação do conhecimento potencializa a identidade cultural do sujeito e a partir da tomada autônoma da consciência daquele que é, os questionamentos sobre a composição e manutenção estrutural da sociedade e seu papel permitirão a compreensão da realidade em sua verdade, não somente pelo que lhe é transmitido de forma alheia.
Os conteúdos são dispostos conforme os interesses daqueles que dominam. Se antes, nossos pais e avós nem ao menos tiveram acesso à escola, é bem provável que a maioria das pessoas nascidas nos últimos 30 anos tiveram pouco ou nenhum acesso à “história real”. Os moradores do Planalto Norte Catarinense podem pensar no exemplo do Contestado. Quantas aulas foram dedicadas para essa temática? O que nós sabemos sobre a própria história? Nesta direção é importante compreender que os conteúdos escolares tratam da história oficial construída em grande escala por “grandes homens”. Todavia, “a história real, feita por ricos e pobres, dominadores e dominados, brancos e negros, homens e mulheres, crianças adolescentes, adultos e velhos, é considerada algo menor, menos importante” (SAFFIOTI, 1987, p. 103).
A escola é fruto de seu meio, assim, torna-se comum em sociedades pretensamente neoliberais a defesa da meritocracia. Porém, a defesa do mérito (talvez até) pudesse ser justa, mas, em condições que urgem da igualdade, o que não é o caso brasileiro. Não há respostas simples para problemas complexos como os que situam a abertura deste artigo. Todavia, esse não é somente o papel do Estado. É preciso que cada ser humano que prioriza a vida em todas as suas dimensões dê o melhor de si para a construção de um mundo mais justo, equitativo, digno, solidário, cooperativo.
István Mészàros, em sua obra “Educação Para Além Do Capital” (2008) já trouxe o debate da importância de romper com a lógica do capital, evidenciando que os remédios devem ser essenciais, e não meramente formais. Contudo, a escola, como instituição formal onde há a propagação e disseminação das aspirações do modelo social é um dos principais espaços onde essa mudança pode emergir a partir dos sujeitos que a compõem. O gesto revolucionário de estudar pode não resolver totalmente as questões propostas, mas, certamente contribuirá para não aceitar qualquer resposta. “Gente educada faz toda a diferença!”
Referências:
BODART, Cristiano. A crise da Educação no Brasil não é crise, é projeto; já dizia Darcy. Blog Café com Sociologia. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/crise-da-educacao-no-brasil-nao-e-crise-e-projeto-ja-dizia-darcy/. Acesso em: 22 fev. 2021.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
MÉSZÀROS, István. Educação para além do Capital. 2ªed, São Paulo: Boitempo, 2008.
SAFFIOTI, Heleieth. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987.