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O Direito ao Sol: pensar e debater é preciso

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O sol[1] é considerado a maior estrela do sistema solar. Normalmente, pouco pensamos sobre a importância e necessidade do mesmo, ou sobre o quanto esta estrela é fundamental para todas as formas de vida na Terra. O sol pode ser considerado o “motor” do ciclo hidrológico, ou seja, aquele que proporciona os movimentos de evapotranspiração, condensação, precipitação, e assim por diante. E, ainda, além de ser fonte de vitamina D, é fundamental para a produção agrícola. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, porque tem muito solo, regime de chuvas (água) e, principalmente, muita insolação.

 

A luminosidade solar é necessária para a realização da maior parte das atividades humanas. A sua incidência movimenta o mundo, além de ser essencial para a sustentabilidade do Planeta, visto que, nos aspectos econômicos, ambientais e sociais dependemos deste recurso para a manutenção e preservação da vida.

 

O crescente processo de adensamento e verticalização nas cidades gera, crescentemente, áreas de sombreamento entre as edificações, afetando os níveis de incidência direta de luz solar, necessária para o conforto ambiental. Esta situação tende a ser mais grave em latitudes elevadas, ou seja, próximas aos polos da Terra. Nos meses de inverno, há uma redução no ângulo de incidência dos raios solares, aumentando a projeção de sombra sobre as superfícies. No caso do Brasil, a Região Sul é a mais afetada por este fenômeno, onde o “direito ao sol” ganha importância no ambiente urbano.

 

Em relação à arquitetura, os benefícios do sol são muitos: o bem-estar psicológico da luz natural nos ambientes internos; o efeito bactericida da radiação solar nos materiais têxteis, que ameniza a proliferação de fungos causada pela umidade; e a economia energética em eletricidade para a iluminação interna e o aquecimento dos ambientes.

 

A relevância do “Direito ao sol” pode ser identificada mediante o uso de critérios de acesso solar, empregados para a organização e o planejamento das cidades desde a antiguidade. As ruas e edifícios eram orientados respeitando as coordenadas geográficas, as alturas e a inclinação do sol. A preocupação com o “Direito ao sol” foi assegurada ainda em Roma, por meio de uma lei denominada Heliocaminus, promulgada por Ulpiano[2] no século II d.C., e visava a garantir ao povo romano o acesso ao sol, proibindo, pela aplicação de legislações urbanísticas, a interrupção ao seu acesso.

 

Após a queda do Império Romano, em 476 d.C., houve a extinção de regras de acesso solar na Europa. A criação de leis que contemplassem os critérios de acesso solar voltou a ser discutida nos Estados Unidos, no ano de 1976, com a criação do conceito “Envelope Solar”[3], definido por Knowles e Berry (1980).

 

Atualmente, a questão da insolação solar nas cidades ganha importância devido ao impacto ambiental da geração energética. O planejamento urbano, contudo, tem negligenciado o efeito do adensamento urbano no conforto ambiental das edificações, privilegiando, sobretudo, os aspectos relativos ao máximo aproveitamento do solo urbano. Cabe frisar que o “Direito ao sol” nas cidades esbarra na ausência de uma legislação específica que garanta a luz solar como um recurso essencial para o bem-viver, além de estudos técnicos que embasem quantitativamente o mínimo de insolação solar necessário para o conforto ambiental.

 

No Brasil, o artigo 21, XX da Constituição Federal de 1988 determina ser de competência da União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, enquanto o artigo 182 preconiza que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (BRASIL,1988).

 

O direito ao sol tem o objetivo de garantir, a todos os cidadãos, o acesso à luz solar em seus imóveis privados e espaços públicos. Esse direito é importante para assegurar qualidade de vida, uma vez que a luz solar é fundamental para a saúde, o bem-estar e o conforto das pessoas.

 

Em áreas urbanas densamente construídas, a preservação do direito ao sol pode ser um desafio, pois a sombra gerada por edifícios altos ou outras estruturas pode bloquear a luz solar e prejudicar a iluminação natural.

 

O Estatuto da Cidade, instituído pela Lei n. 10.257/2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da CF, estabelece as diretrizes gerais da política urbana, prevendo a realização do estudo de impacto de vizinhança, de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos de empreendimentos ou atividades, a serem definidas por lei municipal, quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades (BRASIL, 1988).

 

O Estatuto consiste em estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulem o uso da propriedade urbana, em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como, do equilíbrio ambiental. Para atingir tais objetivos, o Estatuto apresenta diversos instrumentos urbanísticos, em especial o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).

 

A construção de edifícios deve considerar os efeitos negativos –  inclusive sobre a luminosidade – na qualidade de vida dos moradores do entorno imediato, que poderão sofrer os maiores impactos.

 

O direito de construir não é absoluto e sofre restrições fundadas no princípio constitucional da função social da propriedade e no direito de vizinhança. Essa limitação, além de proteger a intimidade e privacidade dos vizinhos, busca, primordialmente, proteger a salubridade das edificações, ao garantir a entrada de ar e luz nos ambientes.

 

Apesar de ser uma energia abundante em países tropicais, como é o caso do Brasil, a luz solar ainda é negligenciada em muitas obras, tanto em casas térreas quanto em edifícios verticais. Reverter esse quadro exige um trabalho conjunto de diversos profissionais, desde a fase inicial do projeto, com a inclusão do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), e a fase executiva da obra, sob pena de ter a execução da construção suspensa caso não atenda a legislação.

 

O estudo de impacto de vizinhança (EIV) deve ser executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e em suas proximidades. Entre os itens mínimos a serem avaliados, encontra-se a luminosidade solar.

 

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC)[4] obteve decisão judicial para suspender o projeto de uma edificação de 20 andares e mais 5 de garagens (acima do solo) na cidade de Chapecó (SC), em razão de que o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) realizado pela empresa apresentava diversas nulidades. No caso, os vizinhos não tinham sido ouvidos ou consultados, como manda o Estatuto da Cidade. Além disso, não houve parecer fundamentado, identificação dos impactos negativos ou exigência de medidas de eliminação desses impactos, como prevê o Plano Diretor do município de Chapecó.

 

Conforme o diagnóstico urbano do EIV, o entorno imediato do local é ocupado predominantemente por prédios residenciais. A juíza Lizandra Pinto de Souza destacou que “a colaboração dos moradores atende ao princípio democrático e ao princípio da participação, aplicáveis ao Direito Ambiental”.

 

Após a suspensão, entretanto, a ABP Engenharia responsável pelo edifício, procurou a 9ª Promotoria de Justiça da Comarca, disposta a ajustar o projeto. Então, por meio de um acordo judicial, a empresa se comprometeu a reduzir o prédio para 11 pavimentos, para atender a necessidade de ar e luminosidade na vizinhança. Diante disso, a ação civil pública foi extinta.

 

Em seu parecer, o Promotor de Justiça explicou que a mudança no projeto diminuirá o bloqueio da luz solar sobre os prédios da vizinhança, ao afirmar que: “Se um prédio novo não pode ter cômodos insalubres, também um prédio já existente não pode vir a perder a iluminação natural com uma nova construção ao seu lado”.

 

A luminosidade do sol nas construções está diretamente relacionada à garantia desse direito, permitindo que as edificações recebam uma quantidade adequada de luz solar, evitando a formação de sombras excessivas, que possam comprometer o acesso à iluminação natural.

 

 

Considerar a luz solar nos projetos e nas políticas urbanas pode resultar em benefícios significativos para as pessoas, o meio ambiente e a sustentabilidade urbana, com o destaque para alguns destes benefícios: Iluminação natural – a luz solar é uma fonte de iluminação natural, que desempenha função fundamental no conforto e na qualidade de vida, contribuindo para a saúde, o bem-estar e a produtividade das pessoas; Eficiência energética – ao projetar edifícios com base na disponibilidade de luz solar, é possível otimizar o aproveitamento da energia solar para aquecimento, iluminação e geração de energia renovável, como a energia solar fotovoltaica (a orientação e o design dos edifícios podem ser planejados de forma a maximizar a captação de luz solar e reduzir a dependência de fontes de energia não renováveis); Saúde e bem-estar – a exposição à luz solar é importante para a saúde humana, pois estimula a produção de vitamina D e regula o relógio biológico; portanto, a luz solar adequada nos ambientes internos pode contribuir para a redução de problemas de saúde, como a deficiência de vitamina D e distúrbios do sono; Planejamento urbano e design arquitetônico – o planejamento urbano e o design arquitetônico podem ser influenciados pela luminosidade do sol.

 

Ao considerar a trajetória do sol ao longo do dia e ao longo das estações do ano, é possível posicionar edifícios e espaços públicos de forma a otimizar a exposição à luz solar e minimizar as sombras projetadas. Isso promove a criação de ambientes mais agradáveis, com melhor qualidade de vida para os moradores e usuários do espaço urbano.

 

Referências

 

BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

 

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 2 maio 2023.

 

KNOWLES, R. L.; BERRY, R. D. Solar envelope concepts: moderate density building applications. United States: Golden, Colorado, Solar Energy Research Institute, 1980. Disponível em: https://www.osti.gov/biblio/6736314.

 

KNOWLES, Ralph L. The solar envelope: its meaning for energy and buildings. Energy and buildings, Los Angeles, v. 35, n. 1, p. 15-25, 2003. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5639617/mod_resource/content/0/Knowles%202003%20solar%20envelope.pdf.

 

Autores:

 

Mestra Cilmara Corrêa de Lima Fante. Doutoranda no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC), Campus Canoinhas. Advogada, coordenadora e docente do Curso de Direito da Universidade do Contestado, Campus Canoinhas. E-mail: [email protected]

 

Mestre João Ricardo Licnerski. Doutorando no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC), Campus Canoinhas. Mestre em Geografia, arquiteto e urbanista.

 

Dr. Jairo Marchesan. Docente dos Programas de Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional e do Programa de Mestrado Profissional em Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental da Universidade do Contestado (UNC).

E-mail: [email protected]

[1]  O Sol é fundamental para todo tipo de vida; é a fonte de nossa visão, do calor, da energia e do ritmo das nossas vidas; seus movimentos informam nossa percepção de tempo e espaço e a nossa escala no universo. Garantir a acessibilidade ao sol é, portanto, essencial para a conservação de energia e para a qualidade de nossas vidas. Sem o acesso ao sol, as nossas percepções do mundo e de nós mesmos são alteradas. Sem a garantia de acesso ao sol enfrentamos a incerteza e a desorientação; podemos perder nosso senso de quem somos e onde estamos. (KNOWLES, 2003, p. 1)

[2] Eneo Domitius Ulpianus (150 a 228 d.C.), jurista e prefeito pretoriano.

[3] Volume imaginário sobre o terreno, dentro do qual o edifício deve ficar inserido, para não projetar sombras indesejáveis sobre os vizinhos, permitindo, assim, acesso ao sol e à iluminação natural (KNOWLES; BERRY, 1980).

[4] Ação Civil Pública Cível 5002583-67.2023.8.24.0018. Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Chapecó. Juiz(a): LIZANDRA PINTO DE SOUZA.

Equipe A Gazeta Tresbarrense
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