InícioCegueira e SolidariedadeLuhman e a lógica dos sistemas

Luhman e a lógica dos sistemas

Últimas notícias

Penso, logo destino: Cerca de 886 pneus em desuso são recolhidos em Três Barras

O município de Três Barras realizou nesta quarta-feira, 24,...

Vítima de acidente para encima do teto do carro após colisão

Na tarde desta quarta-feira, 25, por volta das 16h30, ...

A comunicação como processo de transmissão de informações sobre eventos do mundo é um tema pouco debatido nos círculos populares, mas que é alvo de frondosos debates nas escolas do pensamento europeu e, em geral, nos ambientes onde a comunicação é pensada. De que realidade falamos quando nos referimos às ações observadas? Existe, de fato, uma representação do mundo tal como é no processo comunicacional? A concepção do processo de comunicação como sistema é válida?

 

 

O sociólogo Niklas Luhmann (1927-1998), autor de vários livros e artigos que tratam sobre os meios de comunicação e, por consequência, do processo de recepção das informações, afirma que a lógica do processo comunicacional funciona dentro de sistemas estabelecidos, pelos quais a dinâmica da troca de informações é essencial.

 

 

Quando falamos dos meios de comunicação – como jornais – no contexto de transmissores da realidade, a primeira ressalva que deve ser feita é: de qual realidade estamos falando? Luhmann julga que os  meios de comunicação são instrumentos técnicos para a transmissão da comunicação à massa. Desta forma, operam como mediadores do ocorrido e a informação que o público recebe. Nota-se que para este teórico do qual falamos, o ato comunicacional é possível apenas (e ocorre sempre que) se há informação sendo passada.

 

 

Assim falando, a mídia de massa acaba se tornando a criadora de uma realidade dentro do seu  próprio sistema. Isto é, aquilo que é apresentado como real –  tanto pela mídia quanto pela ciência, por exemplo –, o é segundo os parâmetros observacionais dos próprios indivíduos transmissores da informação em primeiro momento, isto é, aquilo transmitido pelos órgãos chegará aos receptores como realidade, mas sem ser propriamente uma representação do real tal como ele é, este não é o problema encarado pela lógica dos sistemas. Mesmo com este apontamento de Luhmann, o comunicador deverá apresentar meios de comprovar aquilo que procura determinar como realidade.

 

 

O sociólogo adverte que quanto mais “real” algo se apresenta, mais oportunas são as dúvidas postas sobre. Para usar um exemplo do próprio autor, em seu livro A realidade dos meios de comunicação (PAULUS, 2005), um limão real ou uma vivência verdadeira podem ser expostos a questionamentos tranquilamente, pois tornam seu sistema forte. Assim, quer-se mostrar que as afirmações de realidade não são transcendentalizáveis, para um exemplo kantiano.

 

 

Este viés acaba implicando nos conceitos de autorreferência e heterorreferência. A primeira é referente ao processo de construção da realidade do próprio meio de comunicação e, assim, a influência deste sobre os meios sociais. Entretanto, o autor aponta que este padrão dos meios de comunicação foi rebatizado como crise por conta de sua influência sobre a sociedade tomar contornos que passam a ser considerados como antiéticos. Como exemplo disso, temos o caso da assumida manipulação do debate entre os presidenciáveis no pleito de 1989. Mas tal contexto, afirmam muitos, pode ser mudado com a reorganização do sistema. O que, para Luhmann, não é possível, já que tal efeito não se refere ao meio de comunicação, mas à ausência de reflexão, isto é, de uma autodescrição. Este “não pode ser concebido como instrumento para constatar a verdade ‘objetiva’ de forma representacional”, como define o próprio autor. O sucesso dos meios de comunicação está na proposição dos temas, independentemente do viés positivo ou negativo que possam ter (pensamento que será contrariado por Habermas).

 

 

Já a heterorreferência é o sentido que se dá à comunicação de uma realidade exterior ao sistema comunicacional, mas que é impossível haver desacoplamento de um em relação ao outro. Afinal, os meios de comunicação necessitam de algo que chame a atenção para que possam imprimir o repasse de informações. Luhmann se vale do exemplo da Aids: não é em nada fruto dos meios de comunicação, mas se valem da Aids para elaborar um discurso temático. O discurso não será um diagnóstico, mas uma criação que visa criar em torno de si um meio de discussão. Percebe-se que a autorreferência e a heterorreferência estão profundamente interligadas.

 

 

Niklas destaca que urge formular uma teoria geral da sociedade que leve em consideração o papel dos meios de comunicação como fatores reais e construtores das ações e que também se dirija à autopoiética do sistema social e comunicacional.

 

 

Ao tratar da codificação deste sistema – que, segundo Luhmann, estamos utilizando neste exato momento – surge o questionamento do porquê esta lógica de duplicação da realidade não é diluída. Ocorre que os sistemas “cuidam de si”, em uma definição que aqui conceituamos. Por meio disso, haverá toda uma intercalação dos sistemas para que haja sustentação do modelo: os meios de comunicação acompanham como “cães de caça” tudo aquilo que se refere aos desdobramentos nos campos da economia, da medicina, da política etc.; conseguem, desta forma, fazer com que a sociedade necessite de seu aparato, “pode-se dizer também que os meios de comunicação mantenham a sociedade desperta” (p.48).

 

 

O trabalho dos cientistas sociais da atualidade é, em muito, dependente dos meios de comunicação para elaborar suas distinções, uma vez que a pesquisa de campo é também influenciada pelos sistemas comunicacionais. A título de exemplo, Luhmann cita o caso de censura na cobertura da Guerra do Golfo do início da década de 1990: o trabalho da censura foi em conformidade com a lógica do sistema comunicacional, ocultando informações com seu aparato militar e gerando outras que pudessem cumprir a função da promoção militar e para o fim informativo dos jornais.

 

 

Alexandre Douvan. Acadêmico de Jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e membro do grupo de estudos em Ciências Humanas – Mentes Inquietas.

Equipe Gazeta
Equipe Gazetahttps://gazetanortesc.com.br
Somos um jornal de notícias e classificados gratuitos. Estamos há 25 anos no mercado e nosso principal diferencial é o jornal digital.