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Guerra do Contestado: o porquê da palavra “contestado”

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Ao se falar em Guerra do Contestado, possivelmente, para muitos, ocorre uma ideia vaga de episódios belicosos ocorridos, dentre outros, no território que hoje compreende o município de Canoinhas/SC. No entanto, o adjetivo “contestado” não se explica de plano. Há a necessidade de uma breve contextualização histórica para se compreender a razão do uso dessa palavra, que, segundo o Dicionário Online de Português, significa, no Brasil, “território de domínio controvertido”.

 

Esse conceito já apresenta pistas em busca da resposta a que se propõe este artigo. Enquanto o Brasil ainda era colônia de Portugal, portanto, parte do território português, houve sucessivas formas de recortar o espaço geográfico e dividi-lo administrativamente. Em 11 de agosto de 1738, fora criada a então Capitania de Santa Catarina, a qual se limitava, em linhas gerais, ao atual litoral catarinense. A parte correspondente a Serra Acima, onde se incluem o Planalto Norte, Meio Oeste e Oeste catarinense, mantinha-se como território da capitania de São Paulo. Aqui já se destaca uma primeira curiosidade. O atual município de Canoinhas (e municípios vizinhos) já fez parte de São Paulo, no período do Brasil colonial.

 

Em 1766, por determinação de D. Luiz Antônio de Souza, o Morgado de Mateus, Capitão-geral de São Paulo (correspondente, em linhas gerais, ao atual cargo de governador), determinou a criação do que viria a ser Lages. A tarefa foi concretizada por Antônio Correia Pinto, que batizou o lugar como “Nossa Senhora dos Prazeres dos Campos das Lajens”. Por décadas, Lages pertenceu à capitania de São Paulo. Porém, em 1820, devido à proximidade com a Ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis) bem como a um caminho construído entre os dois locais no final do século XVIII, D. João VI, então rei de Portugal, determinou a transferência do território de Lages de São Paulo para Santa Catarina.

 

A partir desse período, todo o território correspondente a Lages passou a fazer parte de Santa Catarina. Ocorre que, naquela época, os limites entre Lages e a cidade paulista mais próxima (Vila Nova do Príncipe que, posteriormente, veio a se chamar Lapa) eram vagamente mencionados. Em boa medida, porque sequer era conhecida, em sua totalidade, a geografia local para se fazer uso dos limites naturais (rios, serras, etc.). Isso ensejava que a vasta e erma região não fosse perfeitamente demarcada, sendo chamada, inclusive, de “O Sertão de Curitiba”.

 

Em 1853, a então quinta comarca de São Paulo ganhou autonomia política, transformando-se na província do Paraná. As suas divisas com Santa Catarina ficaram as mesmas da então quinta comarca, ou seja, delimitações vagas e imprecisas que continuariam a gerar confusão. Essa confusão, ao longo das décadas seguintes, foi se acirrando, principalmente, porque a área compreendida ao sul do rio Iguaçu e ao norte do rio Uruguai era rica em ervais nativos (erva-mate, nesse tempo, passou a ter considerável participação na economia dos dois estados) e em campos naturais usados para a criação de gado (os famosos Campos de Palmas).

 

Na prática, o que havia era um emaranhado de documentos legais desde a época colonial que, formalmente, acabavam reconhecendo o território como catarinense, mas que, de fato, era uma zona territorial ocupada por paranaenses. Em virtude disso, o Paraná utilizava o princípio jurídico do uti possidetis (direito sobre a terra pela posse). O acirramento entre as duas províncias aumentava, motivando o ingresso, por parte de Santa Catarina, de ação no Supremo Tribunal Federal para garantir o território. Este órgão, por três vezes, reconheceu em suas decisões o direito de Santa Catarina em relação à área disputada.

 

O Paraná não aceitava a decisão e também não a cumpria. Entendia que, por terem sido seus administrados os que tomaram posse, fazia jus ao mesmo território. A disputa teve vários momentos bastante graves, inclusive, com ambos os governos realizando o armamento de bandos de civis com vistas a garantir seu poder sobre a zona. Há episódios, no início do século XX, em que autoridades paranaenses determinaram a prisão de catarinenses que habitavam a região entre os rios Paciência e Timbó. A par disso, por parte de Santa Catarina, a ação de armar bandos de civis para o mesmo fim.

 

Em que pese terem ocorrido alguns embates entre os dois estados, a Guerra do Contestado não foi uma guerra propriamente dita entre Paraná e Santa Catarina. Ao menos, não no sentido que comumente se emprega ao termo. Com mais precisão o que se pode dizer é que os dois estados realizaram uma guerra jurídica, disputando a região. O que ficou conhecido como a Guerra do Contestado foi um combate entre a população civil revoltada e as forças do governo federal e estaduais (Paraná e Santa Catarina) que se desenrolou, coincidentemente, na área disputada pelos dois estados.

Mapa de Santa Catarina em 1892 contendo a região contestada. Retirado do site Brasil Turismo.

É daí a denominação “Guerra do Contestado”, ou seja, o conflito que se desenvolveu no território de domínio controvertido (contestado pelos dois estados). Talvez a expressão que guardaria maior correção seria “Guerra no Contestado”. A questão de limites somente foi resolvida em 1916, quando Paraná e Santa Catarina, em acordo, dividiram o território sob litígio, demarcando as divisas que atualmente possuem.

 

Diego Gudas – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC). Bolsista do Programa Uniedu.

 

 

 

Artigo publicado originariamente no jornal Correio do Norte.

Equipe A Gazeta Tresbarrense
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