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Breves considerações históricas sobre a comunidade rural de Felipe Schmidt – Canoinhas (SC)

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A comunidade de Felipe Schmidt, localizada no município de Canoinhas (SC), possui poucos registros históricos e, por este motivo, foram realizadas algumas pesquisas em livros, revistas e jornais, bem como conversas com moradores locais, principalmente os de maior vivência na localidade.

Um dos primeiros registros encontrados vincula-se à obra Excursão no Rio Iguassú, do ano de 1886, do então presidente (governador) da Província do Paraná, Visconde de Taunay, que fez uma viagem oficial de Porto Amazonas (Alto do Rio Iguaçú) a Porto União da Vitória, informando, em seu relato, uma parada realizada no porto “Chapéu do Sol”, localizado à margem direita do Rio Iguaçu, lado oposto de onde, atualmente, se localiza Felipe Schmidt.

Mais tarde, devido ao intenso movimento da navegação no Rio Iguaçu (1882 a 1953), no território da vila, foi inaugurado o Porto Jararaca, à margem esquerda do rio, que se tornou um dos mais importantes de todo o trajeto navegável. Esse porto era um grande produtor e fornecedor de lenha, erva-mate, madeira serrada e até carvão; mais tarde, de produtos de cerâmica vermelha, dentre as quais, telhas e tijolos. No livro de Demerval Peixoto, Campanha no Contestado, de 1920, quando descreve o episódio da “Chacina do Iguaçu”, o autor cita um grande galpão que servia como depósito do comerciante Salvador Leal de Barros, onde, mais tarde, funcionaria a balsa que ligava a região ao Estado do Paraná.

Dentre os primeiros moradores que seriam possíveis lenhadores e coletores de erva-mate, surgiu, em pesquisa nos arquivos da Capela Sagrado Coração de Jesus, o nome de Maria Dionísia de Jesus e seu filho, Manuel Antônio Cordeiro, que em 1898 se instalaram em terras doadas pelo governo do Paraná, próximas ao Rio Bugres, criando a “Fazenda das Moças”.

Na época, a região estava em disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina, na “Questão do Contestado”. Deste modo, o Paraná, então administrador da região, incentivou imigrantes poloneses, ucranianos e italianos a se deslocarem para a região, e, assim, as possíveis primeiras famílias por lá residentes foram os Crestani, os Pavarin e os Kubokoski.

Com a construção do ramal da estrada de ferro que ligava o Porto de São Francisco a Porto União, foi inaugurada, no dia 17 de setembro de 1917, a Estação Jararaca, que deu também o nome à localidade. Com essa estação, a empresa Lumber, pertencente ao grupo Southern Brazil Railway Company, responsável pela estrada de ferro que fazia o trajeto de São Paulo ao Rio Grande do Sul, urbanizou a localidade, abrindo e estabelecendo ruas, quadras e loteando o lugar, motivo pelo qual até hoje os moradores de Felipe Schmidt pagam o IPTU.

Tanto a construção da estrada de ferro quanto o processo de navegação fluvial promoveram na região a instalação de indústrias madeireiras, cerâmicas, ervateiras, alfaiatarias, sapatarias, açougues, mercados, hotéis, clubes (Operário, Iguassú e, mais tarde, a Sociedade 7 de Setembro), fazendas produtoras de grãos, farmácias, delegacia, escolas (pública e particular) e agências financeiras, dentre outros estabelecimentos de comércio e prestação de serviços, além de apresentar crescimento populacional considerável. Para exemplificar, o senso de 1960 mostrava que, enquanto a zona urbana de Canoinhas havia 9.252 moradores, a comunidade de Felipe Schmidt, no mesmo período, possuía 3.282 habitantes.

O crescimento do povoado de Jararaca foi destaque no jornal A Notícia, de Joinville, em 13 de abril de 1931. O tabloide destinou meia página somente para enaltecer a comunidade emergente, a qual destoava do Brasil e do mundo, que mergulhavam na crise econômica da época. Esse crescimento se sustentava em razão das atividades extrativas, principalmente da madeira e da erva-mate.

Durante a Guerra do Contestado (1912-1916), o povoado de Jararaca foi palco de vários episódios, especialmente com a presença do coronel Fabrício Vieira (personagem regional da guerra) e seus vaqueanos. Morador da localidade Chapéu do Sol, margem oposta do Rio Iguaçu em relação à comunidade Felipe Schmidt, se autodeclarava fiscal do Rio Iguaçu no trecho compreendido entre São Mateus do Sul (PR) e Porto União (SC) e, com o apoio do general Setembrino, comandante da Campanha do Contestado, realizou muitas escaramuças na região, amedrontando os moradores e autoridades locais. Muitas dessas ações, inclusive, foram citadas em jornais da época.

Talvez o episódio mais relevante da Guerra do Contestado, ocorrido onde hoje se localiza o distrito de Felipe Schmidt, seja a “Chacina do Iguaçu”. O fato aconteceu às margens do Rio Iguaçu, na madrugada de 22 de novembro de 1914. Sob as ordens de “Dente de Ouro”, braço direito de Fabrício Vieira e sobrinho do senador gaúcho Pinheiro Machado (que era o então proprietário das terras da região de Chapéu do Sol), 17 homens foram assassinados, tendo apenas um que conseguiu fugir, se jogando no rio e atravessando-o a nado. Por mais de cem anos esses acontecimentos se mantiveram obscuros. Em pesquisa recente da historiadora Viviane Poyer (2017), elucidaram-se as identidades e as origens das vítimas. Atualmente, no local, junto ao túmulo simbólico, existe uma placa com o nome de todos os mortos, mantido pelo proprietário, Dorcélio Dante Crestani.

No dia 20 de julho de 1930, o governador de Santa Catarina, Dr. Victor Konder, autorizou o prefeito de Ouro Verde (Canoinhas), Dr. Osvaldo de Oliveira, a mudar o nome da Estação de Jararaca e, consequentemente, do povoado, para Felipe Schmidt. Tal alteração foi uma homenagem ao ex-governador do Estado, responsável pelo acordo assinado com o Paraná na Questão Contestado, em 1916, num exemplo de como os governos coronéis empunhavam decisões de mudança de nomes das comunidades de forma arbitrária ou antidemocrática, sem consultar as comunidades.

Com o Decreto nº 207, do dia 16 de março de 1953, assinado pelo prefeito Benedito Therézio de Carvalho, foi criado o distrito de Felipe Schmidt. No dia 7 de janeiro de 1961, o então governador de Santa Catarina, Heriberto Hulse, transformou as Escolas Reunidas de Felipe Schmidt (Escola Manuel Francoso e Escola Maria Gomes), respectivamente pública e particular, em Grupo Escolar Benedito Therézio de Carvalho, em homenagem ao ex-prefeito de Canoinhas. Com o programa federal de nucleação das escolas isoladas do interior, no final da década de 1990, a denominação foi alterada para Escola Básica Municipal Benedito Therézio de Carvalho.

No dia 17 de junho de 1949, foi assinado pelo governador de Santa Catarina, Aderbal Ramos da Silva, o Decreto nº 174, criando o Posto Fiscal de Arrecadação da Coletoria Estadual, responsável pela cobrança de impostos, emissão de alvarás e notas fiscais, permanecendo até 1991, quando foi fechado pelo governador Vilson Kleinubing.

Entre as muitas curiosidades da referida comunidade, encontram-se os nomes dos times de futebol que existiram. Primeiro, o Jararaca Sport Club; depois, o União Sport Club, o Avahi Sport Club, Palmeiras, Botafogo (masculino e feminino), Jeito Natural e, atualmente, Atlético Felipe Schmidt (masculino e feminino). Ainda sobre o futebol, destaca-se também um grande evento esportivo na sede do Jararaca Sport Club, comandado pelo Sr. Thomaz Skiba, afirmando que a equipe do Jararaca S. C. seria digna de uma posição regional e até estadual.

Com o crescimento populacional do distrito, houve a necessidade de ligações com outras localidades, como Ireneópolis, Lageado, Valinhos e o Estado vizinho. Então, em 1958 foi instalada uma balsa de madeira que ligava Felipe Schmidt ao Estado do Paraná. No local, no ano de 1959, um barco a vapor com 89 pessoas, que havia saído de São Mateus do Sul com destino à União da Vitória, para uma partida amistosa de futebol, enroscou no cabo da balsa, quase acontecendo uma tragédia, não fosse a habilidade do comandante, que conseguiu fazer uma rápida manobra e evitar o acidente de maiores proporções.

Essa balsa permaneceu até 1984, quando, no dia 16 de junho, foi inaugurada uma segunda balsa de madeira pelo prefeito municipal João Jose Klempous, que, com a enchente de 1992, se desprendeu e afundou. No dia 1º de julho de 1995 foi inaugurada uma nova balsa, de ferro, que permaneceu até o ano de 2013, quando uma determinação da Agência Nacional de Transporte Aquaviários (Antaq) paralisou sua funcionalidade, ocasionando uma enorme revolta em toda a população regional. Desde então, o Distrito não conta mais com esse serviço de transporte.

Além destes, destacam-se outros aspectos do Distrito: no dia 10 de janeiro de 1969, foi anunciada pelo diretor financeiro das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), Wilmar Dallanhol, a instalação, num prazo máximo de três meses, da rede elétrica, que oferecia benefícios energéticos a toda região. Nas décadas de 80 e 90, houve grande produção de cerâmica vermelha, tornando Felipe Schmidt referência regional no setor, porém, em virtude da distância dos centros urbanos, da burocracia fiscal e, principalmente, do descaso das autoridades em relação ao acesso (estradas), algumas empresas encerraram suas atividades econômicas.

A partir da década de 90, a agricultura tornou-se a principal atividade econômica local, por meio da evolução tecnológica no setor, contudo, muitos moradores migraram, na tentativa de buscar o sonho de uma vida melhor nas cidades. Mesmo com muitas dificuldades, a população que resolveu permanecer ou que adotou Felipe Schmidt para morar e trabalhar tem orgulho dessa terra, que tanto produziu e produz. Não é à toa que a região é considerada o celeiro do município de Canoinhas.

O Distrito de Felipe Schmidt tem sua história particular, que intimamente está ligada à história do município de Canoinhas e de toda a região. A recordação e a materialização desses fatos são, portanto, um modo de render homenagem a uma comunidade que foi palco da história e da economia regional.

Interessar-se, investigar e escrever ou reescrever a história das comunidades urbanas ou rurais é uma das atitudes de respeito, valorização, estima e consideração para populações, bem como uma das formas de reconhecer, valorizar e fortalecer as identidades regionais.

 

Foto: Casarão do Sr. Waldomiro Kaschuk – Uma das casas mais antigas da Comunidade. Já foi alfaiataria, Clube e hotel Operário.

 

Josmar Kaschuk – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC).

Diego Gudas – Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC).

Jairo Marchesan – Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UNC). E-mail: [email protected]

Equipe A Gazeta Tresbarrense
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