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Movimentos anteriores à Guerra do Contestado, relacionados à memória de São João Maria

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 Évelyn Bueno. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado (UnC).

 João Carlos Vicente de Lima. Especialista em Direito Administrativo.

 

No período de aproximadamente cem anos (1848-1942) ocorreram concentrações camponesas no Sul do Brasil em torno da figura do Monge João Maria. Três deles desenvolveram-se no período anterior a deflagração do movimento sertanejo do Contestado, quais sejam: O movimento do Campestre (1848-1849), O Canudinho de Lages (1897) e o Movimento do Pinheirinho (1902).

 

 

A concentração do Campestre, situado no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, foi a primeira a surgiu ao redor do monge João Maria de Agostini, ocorrida entre 1848 e 1849. As andanças do monge pelo local tiveram início com a intenção de estabelecer uma pequena capela no Campestre, localidade na qual situavam-se vertentes de águas. Com o estabelecimento da capela João Maria passou a atender e medicar doentes que chegavam no local, mediante a utilização de ervas medicinais, preces e com o uso daquelas águas, que eram consideradas com propriedades curativas.

 

 

Com a ausência de instituições de saúde na época e com a tradicional cura efetuada por benzedores e rezadores, as atividades medicinais desenvolvidas por João Maria ganharam ímpeto e, em um curto lapso temporal a concentração de pessoas no Campestre cresceu significativamente, todos em busca de curas e bênçãos.

 

 

A concentração acentuada de pessoas provocou temor nas autoridades. Com o objetivo de dispersar os seguidores do Campestre, o Presidente da Província do Rio Grande do Sul, General Francisco Soares de Andrea, determinou a supressão do movimento e a dispersão dos fiéis, ato em que João Maria foi preso e enviado para Santa Catarina.

 

 

Mesmo diante da referida dispersão e da prisão do monge, as crenças em torno das fontes continuaram, e algumas pessoas permaneceram no local. O governo ainda tentou desacreditar os fiéis por meio de exames laboratoriais, provando que ali havia apenas água potável, todavia, a crença não diminuiu.

 

 

Após o evento do Campestre a comunidade sertaneja criou significativo laço com viés religioso em relação a João Maria e, embora não tenham novas notícias da sua presença nos estados do Sul do Brasil, sua memória continuou presente na população camponesa. Tradição religiosa que impulsionou novos movimentos fundamentados em seus ensinamentos e memória. Tendo a segunda concentração com aspectos baseados nesta tradição ocorrido em 1897, na Região de Entre Rios, denominada como Canudinho de Lages.

 

 

Em 1897, na região de Entre-Rios, na época pertencente ao município de Lages, mas atualmente situado no Município de Celso Ramos (SC), surgiu o movimento denominado Canudinho de Lages. A liderança do movimento era o denominado Miguelito, sujeito que dizia ser irmão de João Maria, que juntamente com Francelino Subtil de Oliveira, passou a receber doentes para praticar suas curas.

 

 

Em pouco tempo muitas pessoas passaram a dirigir-se para a localidade de Entre-Rios em busca de curas. Na localidade, a comunidade que continuava a crescer, praticavam preces, construíram local de reuniões e criaram uma unidade militarizada. Com a notícia da existência de veteranos da campanha federalista na comunidade o Governador de Santa Cataria, apoiado por fazendeiros e políticos, determinou o envio de uma expedição militar com o intuito de dispersar os moradores de Entre-Rios, a qual foi repelida pelos sertanejos em 17 de agosto de 1897.

 

 

Com o fracasso da tentativa de dispersão da comunidade, o Governador de Santa Catarina socorreu-se com o Presidente da Província de Rio Grande do Sul, que enviou um regimento da Brigada Militar para a localidade e, em 29 de agosto de 1897 o pequeno povoado foi suprimido. Alguns sertanejos conseguiram fugir do ataque, inclusive Miguelito e Francelino Subtil de Oliveira, então lideranças do movimento. Porém Santa Catarina e Rio Grande do Sul uniram esforços para caçar os fugitivos pela região. Circunstância que levou à captura de Miguelito, na localidade de Barracão, município de Lagoa Vermelha no Rio Grande do Sul, posteriormente identificado como um soldado desertor da guarnição de Curitiba. Francelino foi encontrado morto em outubro daquele ano.

 

 

Cabe destacar que o ataque contra o povoado de Entre-Rios teve como objetivo colocar fim às crenças dos sertanejos em relação a santificação de João Maria, que naquela circunstância estava respaldada na pessoa de Miguelito.

 

 

Na região de Encantado, especificamente no Vale do Taquari, no interior do Rio Grande do Sul, ocorreu o chamado Movimento do Pinheirinho. Naquela localidade houve certa aproximação entre camponeses, caboclos e ex-federalistas. A concentração estava relacionada a tradição do monge João Maria e ao sentimento de luta pela terra.

 

 

O sentimento de injustiça atrelado a terra pode ser compreendido no conflito entre caboclos e imigrantes. Com a chegada da imigração italiana em meados de 1882, os caboclos passaram a ser expulsos de suas terras. Esse processo foi conduzido por empresas colonizadoras. Os imigrantes compraram propriedades na região do Alto Taquari e as empresas imobiliárias expulsavam os posseiros que ali viviam, na medida que vendiam os lotes aos recém-chegados. Por outro lado, a comunidade de imigrantes italianos não aceitava a presença dos caboclos, os quais não detinham títulos de propriedade, registros de nascimento e de casamento, etc.

 

 

Tal situação semeou forte crise na região, na medida que a população cabocla era cada vez mais empurrada de suas terras, sentimento que fomentou alguns ataques sertanejos contra loteadores de terras e autoridades.

 

 

Desse modo, na passagem do século XIX para o XX, a população camponesa, após ser reiteradamente expulsa das terras que anteriormente ocupava, assentou-se no Alto Vale do Rio Taquari, atualmente pertencente ao município de Roca Sales (RS). Local em que surgiu um grupo messiânico, fundamentado nos ensinamentos do Monge João Maria. O acampamento do grupo foi instalado no local em que se situa a Escola Rural Pinheirinho. Ali, posteriormente iniciou-se certa concentração de pessoas.

 

 

João Enéias e João Francisco Maria de Jesus desempenharam papel central na organização do movimento. O primeiro, João Enéias, era o porta-voz dos milagres realizados pelo monge João Francisco, mais conhecido como “Chico”. Com as curas realizadas, o monge Chico passou a ser considerado santo pela população, havendo relatos de o mesmo ser capaz de andar sobre águas, característica atribuída pelos adeptos do movimento com forte referência ao cristianismo.

 

 

Assim como ocorreu nos demais movimentos anteriormente mencionados, a concentração no Pinheirinho deveu-se as curas ali realizadas e a santificação do monge Chico. O grupo dos Monges de Pinheirinho recebeu tal denominação, em razão do monge Chico e da maioria dos fiéis usarem longas barbas e pelo nome da localidade.

 

 

O meio de subsistência dos adeptos do movimento eram a pesca e a caça, cultivo de culturas da região, como milho e mandioca, e também pelas doações dos fiéis. Após algum tempo da instalação do grupo na região de Pinheirinho, alguns moradores das redondezas e pequenos agricultores reclamaram do sumiço de produtos, e em razão da vida simples levada pelos integrantes do movimento, foram eles acusados de tais furtos.

 

 

 

A partir deste evento, surgiram outros boatos que noticiavam o roubo de aves, animais e produtos da lavoura de moradores locais. Os comerciantes das localidades vizinhas realizaram inúmeras denúncias as autoridades, episódio que contribuiu para o início do conflito. Desse modo, um grupo de 12 pessoas, composto pelos moradores da região, juntamente com dois subdelegados, organizaram expedição com a finalidade de ir ao acampamento de Pinheirinho, situado a 8 km de Encantado. O objetivo era obter esclarecimentos sobre as denúncias de supostos furtos. O grupo partiu de Encantado ao entardecer do dia 3 de maio de 1902, munido de pistolas, espingardas e fuzis de repetição, passou a noite a caminhar e no amanhecer do dia seguinte estavam no acampamento de Pinheirinho. O primeiro confronto ocorreu em 4 de maio de 1902, motivado por um boato.

 

 

 

Do conflito resultou a morte de João Lucca e Eduardo Sattler – moradores da região de Encantado e integrantes do grupo da expedição, assim como na morte de oito membros dos Monges de Pinheirinho, entre eles o filho de José Enéias. Com a morte de seu filho, este saiu do acampamento sob a justificativa de buscar reforço, porém ele nunca mais voltou ao Pinheirinho.

 

 

 

Após este confronto os moradores de Encantado solicitaram a intervenção do Estado para reprimir os Monges de Pinheirinho, expedição que fora efetuada em 21 de maio de 1902, com o envio da Brigada Militar para a localidade, sob o comando do cel. Ramiro de Oliveira, que combateu os “fanáticos”.

 

 

 

Do ataque datado de 21 de maio, resultou na morte de onze integrantes do movimento e sete rendições. Dentre os mortos estava o monge Chico, um dos líderes do grupo. Os sobreviventes rendidos eram muito jovens, três deles com pouco mais de vinte anos, os quais foram obrigados a realizar o sepultamento daqueles que morreram em combate.

 

 

 

A partir da breve análise dos três movimentos anteriormente narrados, é possível identificar elementos convergentes entre eles. Além da tradição religiosa, que obteve papel central, observa-se a luta pela terra, travada entre caboclos e imigrantes e a precoce utilização da violência pelas autoridades contra os camponeses. Tais elementos possuem convergência com o desfecho trágico da Guerra do Contestado, na qual a tradição religiosa, a luta pela terra e a violência precoce foram presentes durante todo o conflito. Paulatinamente, a historiografia vem demonstrando a outra face dos conflitos, notadamente a dos camponeses e sertanejos, elucidando os fundamentos de sua luta.

 

 

Referências

 

FERRI, Gino. Os Monges de Pinheirinho. Encantado: Grafen, 1975.

 

FILATOW, Fabian. Monges de Pinheirinho (1902): entre o messianismo e a política. In: A historiografia para além do campo historiográfico: novos horizontes e perspectivas (Anais do IV EPHIS). Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 1. p. 01-09, 2017.

 

GARIETTA, Mircele. Os monges de Pinheirinho no Vale do Taquari e relações com movimentos messiânicos brasileiros. Lajeado: Univates, 2011.

 

MACHADO, Paulo Pinheiro. “Uma constelação de concentrações: a tradição de “São João Maria”” e movimentos rurais no Sul do Brasil”. In: WEHLING, Arno; et al. Cem anos do Contestado: memória, história e patrimônio. Florianópolis: Memorial MPSC, p.71-87, 2013.

 

MACHADO, Paulo Pinheiro. O conflito do Canudinho de Lages (1897). Revista Estudos de Sociologia. Araraquara, v. 13, n. 24, p. 65-78, 2008.

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